Segundo o ministro do Desenvolvimento Regional, aprovação do novo marco do saneamento possui ‘total sintonia’ com temas voltados a sustentabilidade
Em um momento de forte pressão de investidores e empresários por uma agenda com foco no meio ambiente e um combate firme ao desmatamento na Amazônia, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, afirma ao Estadão/Broadcast que as concessões que serão feitas no setor após a aprovação do novo marco do saneamento estão em “completa e total sintonia” com a preocupação ambiental e sinaliza novas ações do governo na direção da preservação do meio ambiente e da segurança hídrica.
O ministro também revela detalhes do Casa Verde Amarela, programa habitacional que substituirá o Minha Casa, Minha Vida, que foi marca na gestão Dilma Rousseff (PT). Marinho ainda se diz comprometido com a responsabilidade fiscal e defende a aproximação do presidente Jair Bolsonaro com o bloco de partidos do Centrão como um “movimento inteligente”.
Confira os principais trechos da entrevista com Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional:
Com o novo marco do saneamento sancionado, qual é a expectativa e quais são os próximos passos?
Dos marcos que foram modificados nos últimos anos, esse é o mais importante. Ele trará um reforço para alcançarmos a universalização do tratamento da água potável, do esgoto, do destino adequado do lixo ao longo dos próximos anos, com reforço da iniciativa privada. Tem praticamente metade do País sem tratamento de esgoto, mais de 30 milhões de pessoas sem água tratada. Sempre reforçamos necessidade de termos segurança hídrica, conceito que passa pelo saneamento, desenvolvimento sustentável e pela preservação do meio ambiente. Estamos tratando da possibilidade de lançar nos próximos 60 dias um grande programa de revitalização de bacias hidrográficas dentro dessa perspectiva.
O que seria esse programa?
O mais emblemático dos rios, que é o São Francisco, tem no perímetro mais de 500 cidades que via de regra despejam seus dejetos dentro do rio. Isso gera um prejuízo incalculável para populações ribeirinhas, para a própria fauna do rio. Temos no Brasil mais de 3 mil lixões, vários deles ao longo do perímetro dessas bacias. Isso gera assoreamento, diminuição da qualidade da água, do volume da vazão. A revitalização passa por preservação das nascentes, recarga de aquíferos, replantar matas ciliares, mas também pelo desenvolvimento sustentável ao longo do perímetro. Temos a possibilidade de geração de emprego, renda e oportunidade com uma sinergia com universidades, agências de desenvolvimento, governos estaduais, prefeituras, entidades de fomento multilaterais, para que a ocupação se dê de forma ordenada, sustentável e respeitando o meio ambiente.
Esse plano já está pronto?
Estamos trabalhando nele, vamos lançar brevemente. Não apenas da bacia do São Francisco, mas também do Parnaíba, do Tocantins–Araguaia e do Taquari. Inicialmente são essas as bacias elencadas como prioritárias pelo seu grau de comprometimento e pela sua importância.
Da ordem de quanto serão esses investimentos?
Estamos finalizando os estudos para poder anunciar e iniciar os trabalhos. Estou falando nisso porque está ligada à segurança hídrica. Estamos tratando de não deixar faltar recursos para as grandes obras estruturantes que dizem respeito à segurança hídrica, principalmente na região Nordeste. É uma orientação do presidente Jair Bolsonaro não deixar obras paradas.
Vemos um debate intenso sobre a imagem do Brasil lá fora devido à política ambiental. Isso afeta a perspectiva de investimentos em saneamento?
Tivemos oportunidade de conversar com dezenas de investidores nacionais e internacionais e tenho visto até certo entusiasmo. Fiz uma rodada de conversas com doze países, devo conversar com mais dois ou três nos próximos dias, e sem nenhuma exceção todos demonstraram não só interesse, mas curiosidade, vontade de participar. Levaríamos dezenas de anos para conseguir resolver a nossa meta (de universalização).
Mas há um questionamento em relação à política ambiental como um todo, à alta no desmatamento. Isso pode atrapalhar?
Não vejo nada mais a favor do meio ambiente do que saneamento básico. Se há essa dificuldade, você consegue ir ao encontro dessa ansiedade de quem é investidor fora do Brasil. Vários fundos internacionais de grande vulto e relevância definem em suas carteiras um porcentual que precisa ser investido em projetos de meio ambiente, e no mundo inteiro investir em tratamento de esgoto, destinação correta do lixo e tratamento de água potável é meio ambiente na veia, ao lado do que vamos fazer com a revitalização das nossas bacias hidrográficas. O Brasil, por sua dimensão, já é um mercado fantástico. Nós estamos oferecendo um produto que vai ao encontro dessas necessidades e aspirações dos investidores. É uma completa e total sintonia.
Há um temor de que os novos contratos resultarão em aumento de tarifas. Isso vai acontecer?
Há um histórico de desperdício na captação da água, no seu tratamento e na chegada ao consumidor final. No Amapá, a taxa de desperdício chega a 70%. O índice nacional é de 38%, isso representa R$ 10 bilhões de perda efetiva. Com a melhoria da eficiência da operação, não há necessidade do aumento da tarifa. Mesmo assim, há viabilidade econômica como contrapartida ao investidor. Há inclusive a possibilidade de que haja redução da tarifa em alguns casos. E o setor será regulado por nós, a ANA (Agência Nacional de Águas) está sendo instrumentalizada para isso. Não vamos permitir que haja nenhum exagero ou ataque ao direito do consumidor.
Quais são os próximos passos após a sanção do marco do saneamento e quando começam os investimentos?
Três decretos precisam ser publicados para a regulamentação. Nossa ideia é que sejam publicados no menor espaço de tempo possível para que a lei tenha efetividade. Alagoas deve ser o primeiro (leilão), em setembro. Temos em torno de R$ 50 bilhões em carteira já performados pelo BNDES ao longo do próximo um ano e meio. Ainda tem mais uns R$ 600 milhões de projetos de saneamento em municípios menores. Isso está pronto para ser colocado no mercado. Mas a ideia é que se entre numa velocidade maior após a vigência da lei e esperamos ter R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões de investimentos ao ano nos próximos dez anos.
O novo programa habitacional já está pronto? Tem algo travando?
Já mandamos a Medida Provisória formalmente, os problemas foram dirimidos. Achamos que agora vai andar. Não vou colocar um prazo, mas espero que o mais rápido possível.
Vai ter novas contratações de moradias, ou só retomada de obras somada à iniciativa de regularização fundiária?
Tem seis a oito mudanças substanciais no programa que existe hoje. Em linhas gerais, estamos propondo a diminuição do juro de remuneração do FGTS, o que vai permitir que mais de um milhão de famílias fora do sistema habitacional possam ingressar (nos financiamentos). Também tivemos várias tratativas com a Caixa, que de forma sensível está diminuindo o custo de operação, isso vai impactar a disponibilidade de recursos que são alocados pelo FGTS para subsidiar o programa, e consequentemente vai haver número maior de unidades residenciais que serão financiadas por ano. Tem a questão de retomada de obras, e aí a gente faz uma série de mudanças na legislação para permitir que isso ocorra com maior celeridade. Nós herdamos mais de 150 mil unidades habitacionais paralisadas por diversos motivos, inclusive impasses legais e regulatórios. Já retomamos 14 mil, mas tem uns problemas que a gente só vai conseguir com mudanças regulatórias. E para nós a grande mudança é a regularização fundiária com pequenas reformas.
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Como funcionará?
Sabemos que existem 60 milhões de moradias no Brasil, metade pelo menos é ilegal. E metade dessa metade não é possível nem regularizar, são edificações construídas em córregos, encostas, pântanos. O que é possível regularizar são 10 milhões a 12 milhões de moradias. Esse é o nosso foco. Nossa ideia é lançar um grande programa de apoio aos municípios, vai ser feito por edital, em que o trabalho será feito também com empresas da iniciativa privada contratadas pelas prefeituras. Vamos definir poligonais, fazemos o levantamento georreferenciado e social, existem quesitos a serem preenchidos para isenção cartorária, que é o que nos interessa. Tem que morar há mais de cinco anos de forma ininterrupta no lugar, ter aquilo como único imóvel, um determinado padrão de tamanho do lote, isso é identificado in loco.
E quem vai fazer esse filtro?
Por isso estamos apoiando as prefeituras. Vamos estabelecer os critérios. É preciso fazer uma pesquisa individual em cada residência. Vamos também, em cada intervenção, definir um porcentual de 20% a 25% e bancar pequenas reformas habitacionais em cima desse levantamento individualizado. Imagine que a pessoa não tenha banheiro, então além da documentação da casa vai se fazer um banheiro. A pessoa não tem um quarto, um telhado, um piso… Isso será definido caso a caso.
As melhorias vão atingir 20% a 25% do que exatamente?
Tem 10 milhões a 12 milhões de habitações regularizáveis. E disso, uma parte vai receber melhoria. Agora veja, não vamos conseguir atingir 10 milhões a 12 milhões (no início), essa é a nossa clientela possível. Vamos começar um projeto, vai ser grande, vai ter volume, queremos atingir o território todo, mas ele vai começar e ao longo do tempo vamos tentar convencer o Parlamento a alocar mais recursos. É um processo natural, pelo êxito do projeto. Na hora que você faz regularização, incorpora de 40% a 50% a mais no valor do imóvel. Você insere esse cidadão dentro do meio produtivo, vai ter um imóvel que pode transferir para um terceiro, usar para uma operação de crédito, dar como referência de determinado negócio. Isso permite que as pessoas deixem de ser invisíveis.
Quantas moradias serão contempladas inicialmente?
Vai depender de como chegar no final. Há uma arrumação interna que acontecerá em função da aprovação ou não de algumas situações que estamos colocando dentro da MP. Acredito que vai sofrer pouquíssimas correções, mas vamos aguardar o desfecho.
Em relação ao Pró-Brasil, houve desavenças sobre o formato e o volume de recursos públicos. Qual será o papel do investimento público na retomada?
Qualquer desacordo ou opiniões divergentes são salutares, elas precisam acontecer. Todos nós falamos, opinamos, estamos construindo um projeto sob a coordenação do ministro Braga Netto (Casa Civil), com outros ministros envolvidos, inclusive ministro Paulo Guedes (Economia). O que tem que ficar claro é que a política de responsabilidade fiscal, inclusive com todos os pressupostos que ela tem, está intacta dentro do cerne do governo e das discussões que estamos tendo internamente. Vamos aguardar, acho que não vai passar desse mês o término das tratativas internas para que haja o anúncio.
O sr. já foi da equipe econômica, sabe da importância atribuída ao teto de gastos. Como os investimentos serão conciliados com o teto?
Não só sei como votei o teto de gastos. Tenho um histórico de projetos pouco populares, mas que tinham responsabilidade fiscal no seu cerne. É evidente que sei que um País das dimensões do Brasil, com as necessidades que tem de atrair o capital privado tanto interno quanto externo, precisa demonstrar de forma muito clara que vai ser capaz de honrar seus compromissos no futuro. Agora, é evidente que Estado brasileiro precisa buscar alternativas de recuperação econômica.
O sr. tem viajado muito ao Nordeste, inclusive com o presidente Jair Bolsonaro. Foi a única região onde ele perdeu a eleição. O sr. está criando uma ponte para ele melhorar sua imagem?
O que estou fazendo é dar visibilidade a políticas que já existem. Talvez performando melhor, deixando mais claro o que o ministério está fazendo, chegando mais próximo do nosso cliente, que é o cidadão brasileiro. As ações têm um foco muito forte em combater desigualdades regionais, e não há região mais emblemática e mais referencial do que Nordeste e Norte. São regiões que têm IDH menor que a média, precisam ser tratadas de forma desigual. O fato de o presidente começar a estar mais próximo do Nordeste se deu muito mais pelo fato de que começamos a mostrar a ele o que o ministério está fazendo, o que o governo que ele comanda está fazendo, do que uma estratégia deliberada de melhorar sua imagem. Até porque tenho sentido que já há um ambiente muito favorável no Nordeste ao presidente.
Há críticas de que o objetivo poderia ser reunir capital eleitoral.
Isso é política pública na veia. Trabalhar com cisternas, adutoras, transposição de rios, barragens, perímetros irrigados, substituir o carro-pipa, emancipar essas populações é uma ação importante para o governo. Mas não posso deixar de dizer que realmente é uma dádiva, uma bênção para qualquer administrador público ter a possibilidade de executar ações desse naipe, com esse perfil.
Como avalia a aproximação com o Centrão? O governo cedeu ao “toma lá dá cá”?
Para que as políticas públicas tenham efetividade, o presidente também precisa ter resolutividade na apresentação e aprovação dessas políticas públicas junto ao Congresso Nacional. O movimento que o presidente faz é inteligente, ele busca o apoio congressual para colocar em prática as ideias que defendeu enquanto candidato. E é isso que a sociedade espera dele. O presidente é o único que eu conheço que formou um primeiro escalão sem conversar com os partidos políticos. O fato de os partidos estarem ocupando espaços dentro da administração é perfeitamente natural aqui e em qualquer lugar do mundo. Os partidos vêm e se comprometem com a administração e com a pauta.
Fonte: Estadão .
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O post “Investir em tratamento de esgoto e água potável é meio ambiente ‘na veia’, diz Rogério Marinho” foi publicado em 15th July 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte