O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não pode ser acusado de falta de coerência. A declaração durante a fatídica reunião ministerial em 22 de abril, de aproveitar a pandemia para ir “passando a boiada”, mudando as regras ambientais, apenas coroou uma gestão que, desde o início de 2019, vem desmontando o sistema de defesa do setor.
Não é à toa. Salles é muito mais um representante do setor ruralista, não um ministro que preze pelo meio ambiente. E pior: atende aos interesses do mais retrógrado setor ruralista, espoliador de bens públicos, da função social da propriedade e dos direitos difusos.
Salles parece não querer ver o conflito de interesses com suas posições, apenas as justificando como necessidade de desburocratização, enquanto implementa retrocessos na normatização e nos meios de participação social.
Enquanto o mundo clama contra “a aceleração das mudanças em descompasso com a evolução biológica e o bem comum” (Laudato Si), e a Constituição brasileira determina a responsabilidade de todos na proteção do meio ambiente, o ato de desmantelar propositadamente um aparato de Estado voltado à proteção ambiental é um crime lesa-pátria e contra a humanidade.
A reconstrução da mínima eficiência do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), desmontado por Salles, implicará a reconstrução das agendas negligenciadas, como a de mudanças climáticas, a retomada das competências em conformidade com a vocação das instituições e sistemas de gestão, a retomada de sinergia entre os diversos setoriais da área ambiental que foram segmentados para não funcionar, entre outros.
O Brasil é um país continental, megadiverso, de extrema relevância ecológica e historicamente destacou-se como líder da proteção ambiental do planeta. Está muito longe de ser um fazendão-latifúndio comandado por feitores com formação colonial. Mas desde o início de 2019 o desregramento tomou conta do MMA e teve início a fase da porteira aberta no Ministério.
Mas toda porteira que se preze conta com um bom mata-burro. Ao ignorar o processo histórico, com intenções questionáveis e formação deficiente, o ministro Salles abriu a porteira no MMA, mas caiu no mata-burro. Na ânsia de corroer a normatização e o sistema de gestão já estruturados que visavam conter a expansão desregrada dos negócios rurais e da mineração, Salles, em ataque público que revelou profunda má-fé, atolou-se de vez ao advogar o relaxamento de regras em todos os ministérios para “passar a boiada”, alegando que este era o momento, já que a sociedade brasileira estava preocupada com a crise humanitária da covid-19.
Atolado no mata-burro, vem sendo cada vez mais atropelado pelas estruturas sociais e conceituais já internalizadas pela sociedade. Isolado dentro do governo, que descolou sua imagem da gestão da Amazônia, continua a dar uma mãozinha para que o Brasil desgaste ainda mais sua imagem e se torne um pária internacional na área ambiental, afugentando investimentos econômicos e parcerias internacionais que geram expressivos recursos públicos.
O Brasil precisa reconstruir seu sistema público de gestão ambiental na área federal, para garantir a sintonia com os mecanismos de regularidade ambiental do comércio internacional, fato notório e declarado por fundos de investimento e corporações que pautam suas ações em requisitos de compliance.
O presidente Jair Bolsonaro, por mais limitado que possa parecer, deve remover imediatamente o ministro do mata-burro.
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O post “A porteira aberta e o mata-burro do Ministério do Meio Ambiente” foi publicado em 1st July 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco