Menos de 10% dos países têm leis que ajudam a garantir a inclusão plena na educação, de acordo com o Relatório de Monitoramento Global da Educação de 2020, lançado nesta terça-feira (23) pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
O relatório analisou os principais fatores de exclusão nos sistemas educacionais de todo o mundo, incluindo histórico, identidade e habilidades – ou seja, gênero, idade, local onde vivem, pobreza, deficiência, etnia, indigeneidade, língua, religião, status migratório ou de refúgio, orientação sexual ou identidade e expressão de gênero, encarceramento, crenças e atitudes.
O documento identificou um aumento da exclusão durante a pandemia da COVID-19 e estimou que cerca de 40% dos países de renda baixa e média-baixa não apoiaram os estudantes desfavorecidos durante o fechamento temporário das escolas.
O Relatório de Monitoramento Global da Educação (Relatório GEM) de 2020 pediu que, no momento da reabertura das escolas, os países deem atenção àqueles deixados para trás, com o objetivo de promover sociedades mais resilientes e igualitárias.
“Para enfrentar os desafios do nosso tempo, é imperativo dar um passo na direção da educação mais inclusiva”, disse a diretora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay. “Repensar o futuro da educação é ainda mais importante após a pandemia da COVID-19, que ampliou ainda mais e destacou as desigualdades. A inação prejudicará o progresso das sociedades.”
Persistência da exclusão
O relatório deste ano é o quarto Relatório GEM anual da UNESCO a monitorar os avanços de 209 países no atingimento das metas de educação aprovadas pelos Estados-membros da ONU na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
O documento mostrou que 258 milhões de crianças e jovens foram totalmente excluídos da educação, tendo a pobreza como o principal obstáculo ao acesso.
Em países de renda baixa e média, os adolescentes das famílias dos 20% mais ricos tinham uma probabilidade três vezes maior de concluir o primeiro nível da educação secundária do que aqueles das famílias mais pobres.
Entre os que concluíram o primeiro nível da educação secundária, os estudantes das famílias mais ricas tinham uma probabilidade duas vezes maior de ter habilidades básicas em leitura e matemática do que aqueles das famílias mais pobres.
Apesar da meta declarada de conclusão universal do segundo nível da educação secundária até 2030, quase nenhum jovem pobre que vive na zona rural conclui a educação secundária em pelo menos 20 países, a maioria deles na África Subsaariana.
O documento apontou ainda que estudantes de 10 anos dos países de renda média e alta que aprenderam a ler em uma língua diferente de sua língua materna tiveram desempenho 34% inferior na comparação com falantes nativos em testes de leitura.
Em dez países de renda baixa e média, estima-se que crianças com deficiências têm uma probabilidade 19% menor de obter proficiência mínima em leitura do que aquelas que não têm deficiências.
Nos Estados Unidos, por exemplo, estudantes LGBTI tiveram uma probabilidade quase três vezes maior de desistir dos estudos e permanecerem em casa, porque não se sentiam seguros no ambiente escolar.
Fundamentos desiguais
Juntamente com a publicação lançada nesta terça-feira, a equipe do Relatório GEM da UNESCO também lançou um novo site, o PEER , com informações sobre leis e políticas dos países relativas à inclusão na educação.
O PEER mostrou que muitos ainda praticam a segregação na educação, o que reforça estereótipos, discriminação e alienação.
Um quarto dos países possui leis que determinam que as crianças com deficiências sejam instruídas em contextos separados, percentual que supera os 40% na América Latina e Caribe, bem como na Ásia.
Na África, dois países ainda proíbem meninas grávidas de frequentar a escola, 117 permitiam a realização casamentos infantis e 20 ainda não haviam ratificado a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que proíbe o trabalho infantil.
Em vários países da Europa Central e do Leste Europeu, crianças da etnia roma eram segregadas nas escolas regulares. Na Ásia, pessoas deslocadas, como as pertencentes à etnia rohingya, eram instruídas em sistemas educacionais paralelos.
“A COVID-19 nos deu uma oportunidade real de pensarmos nossos sistemas educacionais de uma nova maneira”, disse Manos Antoninis, diretor do Relatório GEM.
“Porém, a mudança para um mundo que valoriza e acolhe a diversidade não acontecerá do dia para a noite. Existe uma clara tensão entre ensinar todas as crianças debaixo de um mesmo teto e criar um ambiente no qual os estudantes podem aprender melhor. De qualquer forma, a COVID-19 nos mostrou que existe margem para fazer as coisas de forma diferente, se fizermos um esforço mental para tanto.”
Um dos achados foi o fato de que as crenças discriminatórias dos pais compõem um obstáculo à inclusão: por volta de 15% dos pais na Alemanha, e 59% em Hong Kong, China, temiam que crianças com deficiências atrapalhariam a aprendizagem dos outros estudantes.
Pais com crianças em situação de vulnerabilidade também queriam enviá-las para escolas que garantissem seu bem-estar e atendessem a suas necessidades. No estado de Queensland, Austrália, 37% dos estudantes de escolas especiais se afastaram dos estabelecimentos tradicionais.
O relatório mostrou que, muitas vezes, os sistemas educacionais não levam em consideração as necessidades especiais dos estudantes. Em todo o mundo, apenas 41 países reconhecem oficialmente a linguagem de sinais e, também em âmbito mundial, as escolas têm mais interesse em obter acesso à Internet do que atender estudantes com deficiências.
Cerca de 335 milhões de meninas frequentavam escolas que não lhes ofereciam serviços de água, saneamento e higiene dos quais precisavam para continuar frequentando as aulas no período menstrual.
Isolamento dos estudantes
Quando os estudantes não são representados de forma adequada nos currículos e nos livros didáticos, eles podem se sentir isolados ou alienados.
Meninas e mulheres representavam apenas 44% das referências em livros didáticos de inglês na educação secundária da Malásia e da Indonésia, 37% em Bangladesh e 14% na província de Punjab, no Paquistão. Os currículos de 23 entre 49 países europeus não tratam de questões de orientação sexual, identidade ou expressão de gênero.
Os professores precisam e desejam ter formação sobre inclusão; nesse sentido, em torno de um a cada dez professores da educação primária em dez países francófonos da África Subsaariana disseram tê-la recebido. Um quarto dos professores em 48 países disse que deseja ter mais formação sobre o ensino de estudantes com necessidades especiais.
O documento apontou ainda ser crônica a falta de dados de qualidade sobre os que foram deixados para trás. Quase a metade dos países de renda baixa e média não reúnem dados educacionais suficientes sobre crianças com deficiências.
As pesquisas domiciliares são fundamentais para decompor os dados educacionais por características individuais. Porém, 41% dos países – os quais abrigam 13% da população mundial – não realizaram pesquisas ou não disponibilizaram os dados dessas pesquisas. Os números relacionados à aprendizagem são retirados principalmente das escolas, o que não leva em consideração as pessoas que não as frequentam.
“A existência de dados inadequados significa que estamos deixando de ver uma enorme parte do quadro”, diz Antoninis. “Não é de admirar que as desigualdades expostas repentinamente durante a pandemia da COVID-19 tenham nos pegado de surpresa.”
Sinais de progresso em direção à inclusão
O relatório e o site PEER indicam que muitos países estavam utilizando abordagens positivas e inovadoras na transição para a inclusão.
Muitos estavam estabelecendo centros para atender múltiplas escolas, bem como permitindo que estabelecimentos convencionais recebam crianças de escolas especiais, como ocorreu em Malauí, Cuba e Ucrânia. Gâmbia, Nova Zelândia e Samoa estavam utilizando professores itinerantes para alcançar populações mais pobres.
Muitos países também têm se esforçado para atender as diferentes necessidades dos estudantes: o estado de Odisha, na Índia, por exemplo, utilizava 21 línguas tribais em suas salas de aula; o Quênia ajustou seu currículo conforme o calendário dos povos nômades; e, na Austrália, os currículos de 19% dos estudantes foi adequado pelos professores, de modo que os resultados esperados deles correspondessem às suas necessidades.
O relatório incluiu material para um campanha digital “’Todos’ significa todas as pessoas” (All means All), que visa a promover um conjunto de importantes recomendações para os próximos dez anos.
Fonte
O post “UNESCO: 40% dos países mais pobres não apoiam estudantes em situação de vulnerabilidade na pandemia” foi publicado em 23rd June 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ONU Brasil