Estima-se que 99% das espécies que já existiram no planeta foram extintas, e que a maior parte delas foi dizimada durante grandes extinções (ou extinções em massa, assim denominadas quando pelo menos ¾ das espécies desaparecem da face da Terra). A extinção de uma espécie pode ser consequência de exclusão competitiva, por causas naturais decorrentes de seleção natural, ou pode ter origem a partir de eventos catastróficos, em maior escala. Em períodos distintos da história da Terra, com causas que variam de mudanças climáticas a impactos de asteroides, o registro fóssil aponta cinco grandes extinções, que chegaram a extinguir 95% da vida existente – como a do Permiano, 252 milhões de anos atrás, causada, provavelmente, por redução da plataforma continental e atividade vulcânica.
Porém, pode haver um intervalo de tempo entre a ocorrência de uma perturbação no ambiente e os efeitos decorrentes sobre as espécies. Este intervalo de tempo entre a causa e a consequência do distúrbio é denominado “dívida de extinção” (extinction debt, tradução livre). Essas extinções atrasadas ou tardias de espécies são esperadas como consequências de perturbações em um ecossistema, sejam elas naturais ou antropogênicas, em diversas escalas. O termo foi cunhado por David Tilman e outros pesquisadores das Universidades de Minnesota e Oxford, em 1994, publicado pela revista Nature, e teve por base conceitos ecológicos como a teoria da biogeografia de ilhas, metapopulações, competição e capacidade de colonização de novos ambientes.
As causas do atraso entre um impacto (desmatamento ou exploração direta, por exemplo) e a extinção da espécie podem ser várias, como o tempo decorrido desde a perturbação, história de vida das espécies, interações com o ambiente físico e com outras espécies, dinâmica de viver em manchas de hábitat ou em adensamentos, capacidade de dispersão e conectividade entre manchas, além de fatores aleatórios. Desta forma, as espécies respondem diferentemente aos distúrbios e suas intensidades. Se somarmos os impactos causados pelo ser humano nos ecossistemas a este atraso, o número de espécies em risco de extinção deve ser ainda maior que aquele contabilizado atualmente, uma vez que muitas delas devem estar “em dívida”. Isto pode criar a ilusão de que a espécie lida bem com o impacto e encontra um novo estado de equilíbrio na natureza, adaptando suas interações e modos de vida, ao menos temporariamente.
Pesquisadores da Universidade de Würzburg, na Alemanha, publicaram na revista Ecography uma revisão sobre dívida de extinção. Eles analisaram 397 artigos científicos publicados entre 2009 e 2017 e apontam que a dívida de extinção varia entre 9 e 90% de diferença entre o número de espécies extintas e as que estão em dívida, dependendo do grupo estudado e das causas da extinção. No Brasil, há poucos estudos sobre o assunto – apenas para animais vertebrados, e o único fator apontado como causa da extinção é a perda de hábitat, demonstrando o déficit de informações acerca do tema.
Segundo o trabalho publicado na revista Science, em 2012, de autoria de Oliver R. Wearn e colaboradores, sobre a dívida de extinção na Amazônia brasileira, o desmatamento reduz a cobertura florestal e a área de hábitat disponível, consequentemente, extingue algumas espécies não apenas da área impactada, mas também da floresta remanescente, à medida que as populações ficam abaixo dos limiares de viabilidade. Além do desmatamento histórico na Amazônia do Brasil, as projeções da dívida de extinção local estimam que, até 2050, 10 espécies de anfíbios, 15 de mamíferos e 30 de aves sejam extintas devido, principalmente, ao desmatamento em virtude da expansão agrícola.
Mente descontínua
Pode-se tentar argumentar que as taxas de extinção são naturais ou, ainda, muito baixas ou inexistentes, afinal, quantas pessoas podem dizer que viram uma espécie ser extinta? Dependendo da escala em que analisamos, seja temporal ou espacial, podemos não perceber a dimensão das atuais extinções. Isso pode ser atribuído à “mente descontínua”, conceito muito usado por evolucionistas como Richard Dawkins, e estudado pela neurociência.
A mente descontínua é a dificuldade do cérebro humano, moldado evolutivamente para perceber grandezas médias (tempo, espaço, velocidade), de perceber processos contínuos com seus intermediários. Por isso, temos a nossa necessidade de demarcar acontecimentos em fases distintas, até mesmo para que a sociedade funcione – arbitrar a idade de 18 anos para a maioridade, por exemplo, mas não há nada de extraordinário aos 18 anos que justifique esta escolha. Da mesma forma, precisamos de muitas bases teóricas para compreender escalas muito maiores ou muito menores do que aquela a qual nosso cérebro está acostumado (como tempos muito longos ou tamanhos muito pequenos).
Esta incapacidade de perceber processos mais contínuos, sejam históricos, físicos, biológicos, evolutivos ou, neste caso, de extinção, pode fazer com que não nos preocupemos com o que acontece de forma lenta, como as dívidas das extinções que levam anos para “serem pagas” e receber o devido valor.
A taxa média de perda de espécies de animais vertebrados no século passado foi 100 vezes maior que a taxa de fundo (uma taxa natural de extinção devido à seleção natural), o que contribui para a ideia de que estamos vivenciando uma sexta extinção em massa. Esta pode ser a continuação, muito acelerada, da extinção tardia do Pleistoceno-Holoceno, não considerada uma grande extinção, mas que erradicou a megafauna americana, que tinha como alguns representantes a preguiça gigante e os mamutes, inclusive com a participação do ser humano. Vivemos em um mundo tão modificado pelas ações humanas, que muitos pesquisadores defendem a ideia de que esta seja uma nova época geológica, caracterizada por estas mudanças, o Antropoceno, na qual temos tido um papel fundamental nas causas de extinções ao acelerá-las por meio de nossas atividades ao longo do tempo. Destruição de hábitats, sobre-exploração, mudanças climáticas e invasão por espécies exóticas são apenas algumas das causas da elevada taxa de extinção atual, afetando também as espécies que terão um atraso neste processo.
O relatório do IPBES (Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, do inglês International Platform on Biodiversity and Ecosystem Services ) de 2019 traz um alerta sobre o futuro dos impactos das mudanças climáticas nas próximas décadas sobre a biodiversidade. A estimativa é de que cerca de 25% das espécies nos grupos de animais e plantas avaliados esteja ameaçada, sugerindo que cerca de um milhão de espécies já enfrentam processos de extinção, e, neste caso, dados de suas dívidas devem ser ferramentas de auxílio para estas estimativas. Além disso, uma menor diversidade de organismos diminui a capacidade de áreas protegidas conservarem espécies, aumentando ainda mais o risco de extinções globais.
Compreender as extinções é crucial para a história da evolução da vida presente e futura na Terra. A ascensão do ser humano moderno ocorreu nos últimos 12 mil anos, durante o Holoceno (um período interglacial com um clima mais quente e úmido), onde sua influência no meio ambiente é enorme, intensificando a extinção de inúmeras espécies no processo de desenvolvimento da sociedade.
A história da Terra nos mostra que cinco grandes extinções ocorreram e possuem sua aparência marcada na resolução temporal do registro fóssil. Em termos geográficos, de acordo com renomado paleontólogo David M. Raup, mais da metade da superfície da Terra precisa ser ambientalmente afetada para que seja considerada uma grande extinção. Desta forma, durante as cinco grandes extinções ocorreu um declínio na diversidade global. Portanto, taxas de originação e extinção ocorreram de forma interligada. Essencialmente, essas taxas determinam a dinâmica da biodiversidade do planeta que, durante estas extinções, foi extremamente afetada através de mudanças climáticas, impacto de asteroides ou atividades vulcânicas, causando grande crise nos ecossistemas e abrindo espaço para que novas espécies pudessem se desenvolver e perpetuar.
- 1ª Grande extinção no final do Ordoviciano (444 milhões de anos atrás).
A vida nesta época se encontrava principalmente nos oceanos, onde a biota era adaptada a ambientes mais quentes. A posição do supercontinente chamado Gondwana, no polo sul, promoveu um resfriamento curto, porém intenso, congelando o que hoje conhecemos como Saara e grande parte das águas, diminuindo seus níveis, afetando principalmente as comunidades bentônicas e pelágicas.
- 2ª Grande extinção durante o Devoniano (360 milhões de anos atrás).
Essa grande extinção está ligada possivelmente a áreas vulcânicas na atual Sibéria, porém a variação no nível dos oceanos, mudanças no clima ou o impacto de um asteroide, também são possíveis causas, causando o esgotamento de oxigênio nos oceanos e que induziu a morte de inúmeras espécies, como trilobitas, esponjas e peixes placodermes. Existe também a possibilidade de que a proliferação dos vegetais terrestres conduziu a uma anoxia das águas de superfície.
- 3ª Grande extinção durante o Permiano (252 milhões de anos atrás).
Considerada a mãe de todas as extinções, por seu episódio cataclísmico, devido à diminuição da plataforma continental e as atividades vulcânicas desta época. A vida praticamente desapareceu do planeta, 96% de todas as espécies desapareceram, 80% das espécies marinhas foram exterminadas, 70% das espécies de vertebrados, e a única crise conhecida da evolução dos insetos. Os trilobitas que sobreviveram às duas primeiras extinções desapareceram completamente, assim como alguns tubarões e peixes ósseos.
- 4ª Grande extinção durante o Triássico e Jurássico (200 milhões de anos atrás).
Causada por erupções vulcânicas em larga escala, na província magmática do Atlântico Central, anunciando a divisão da Pangea e a abertura do que se tornaria o oceano Atlântico. Causou uma mudança química nos oceanos, onde a água foi contaminada por sulfeto de hidrogênio, acarretando a diminuição da disponibilidade de nutrientes, alterando cadeias alimentares e causando uma enorme perturbação ao ecossistema, levando ao fim dos conodontes, corais escleractíneos, répteis e anfíbios, abrindo caminho para a diversificação dos dinossauros.
- 5ª Grande extinção durante o Cretáceo e Paleogene (65,5 milhões de anos atrás)
Uma das mais famosas extinções, onde o querido e famoso T-rex foi extinto. O impacto de um enorme meteoro (descoberto no México a cratera de Yucatan) e, simultaneamente, erupções vulcânicas, cobrindo de fumaça grande parte da atmosfera, extinguiu os dinossauros. Porém a maioria dos mamíferos, tartarugas, crocodilos, sapos e pássaros sobreviveu. Sem a presença dos dinossauros, os mamíferos proliferaram, levando então a evolução e ao surgimento do Homo sapiens.
*Textos produzidos pelos(as) alunos(as) da disciplina “Conservação da Biodiversidade no Antropoceno ”, ministrada no Programa de pós-graduação em Ecologia da UFSC, pela Profa. Dra. Michele de Sá Dechoum (UFSC) e pela Dra. Paula Drummond de Castro (Labjor – UNICAMP).
**Este texto foi escrito por:
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- Mariana Mrotskoski Niero , bióloga e mestranda no Programa de Pós-graduação em Ecologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
- Fabielle M. Bando , bióloga e doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ecologia da Universidade Federal do Pará.
- Felipe Domingos Machado , engenheiro florestal e mestrando no Programa de Pós-graduação em Engenharia Florestal da Universidade do Estado de Santa Catarina.
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O post “A nossa maior dívida não é monetária” foi publicado em 22nd June 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco