Eu imagino que você já tenha aprendido na escola, assistido alguma reportagem ou entrado em contato com alguma notícia sobre a extinção de animais, certo? Talvez você tenha ouvido falar sobre a ararinha-azul , que está extinta em ambientes naturais e hoje existe apenas em cativeiro. Ou, quem sabe, sobre o mico-leão-dourado , espécie que só existe na Mata-Atlântica, ou seja, endêmica, e que está ameaçada de extinção. Mas… e sobre plantas? Quantas vezes você ouviu falar sobre uma planta extinta ou em perigo de entrar em extinção? Será que é dada a mesma importância pro assunto quando comparamos plantas e animais? Para ter uma ideia sobre, resolvi dar uma olhada no Google.
Ao comparar a quantidade de resultados obtidos na busca dos termos “animais em extinção” e “plantas em extinção”, a busca sobre plantas tem quase menos da metade dos resultados (cerca de 8 milhões contra 17 milhões de resultados sobre animais). E essa diferença, claro, não para por aí: além de mais conteúdo produzido, a procura de conteúdo sobre animais em extinção é muito maior. Ao conferir a estatística de busca entre esses dois termos , a pesquisa sobre animais é feita cerca de 14 vezes mais que de plantas.
Agora, a questão que pode surgir em sua mente é: “Por quê?”. Será que a extinção de plantas é, de fato, menos importante que a de animais? Será que precisamos mesmo adicioná-las na nossa lista de preocupações? Acho que a melhor forma de responder essas perguntas é construindo juntos o raciocínio.
Recentemente, um estudo da Nature nos trouxe a informação de que quase 600 espécies vegetais entraram em extinção em menos de 300 anos. Considerando que foram em três séculos, talvez esse número não soe tão preocupante, né? Mas, infelizmente, é muito. De acordo com essa estimativa, a taxa de extinção de plantas está 500 vezes maior do que estaria sem a influência humana predatória. E, como o que está ruim sempre pode piorar, é provável que esse número seja otimista. Há a possibilidade de algumas espécies terem entrado em extinção antes mesmo de serem descritas formalmente, ou seja, a flora está desaparecendo antes que possamos conhecê-la. Além disso, há espécies de plantas que ainda têm indivíduos vivos, mas que estão funcionalmente extintas (ou seja, há tão poucos indivíduos que a reprodução é improvável e sua influência ecológica é baixa). Isso tudo significa que o número de espécies extintas pode ser ainda mais alarmante.
Ok. Já entendemos que plantas estão desaparecendo em taxas muito aceleradas. Então… o que isso representa para o mundo? O que representa, afinal, o desaparecimento da flora?
Penso ser importante, primeiramente, deixarmos a ideia de “utilidade” de lado. Isto é, deixar de observar organismos sob uma perspectiva utilitarista, esperando que um organismo tenha importância comercial ou médica para que seja válido o proteger. Pensar em organismos como produtos nos impede de observar um conjunto muito mais amplo do qual todos os seres vivos (inclusive nós) fazem parte: a biodiversidade. Um único organismo pode apresentar relações ecológicas com centenas, e até milhares, de outros organismos. Essa cadeia de relações vai muito além do que nós, cientistas, temos capacidade de quantificar. Relações essas que implicam em algo difícil de controlar: extinções em cascata. Uma única espécie de planta extinta pode levar outras plantas e animais a desequilíbrios e até a coextinções (quando uma ou mais espécies desaparecem por consequência da extinção de outra).
Em 2016, um estudo analisou a probabilidade de extinções secundárias causadas por mudanças climáticas envolvendo plantas e animais. Talvez você já esteja imaginando o motivo de eu citá-lo aqui. Em comunidades sensíveis a mudanças climáticas, é mais provável que ocorra a coextinção de animais causada pela extinção de uma planta que o inverso. Isso significa que essas cadeias ecológicas podem estar mais vulneráveis ao desaparecimento de plantas do que de animais.
Bem, se as plantas são tão importantes quanto os animais, qual o motivo para que não abordemos da mesma forma a extinção nesses grupos? Infelizmente, a resposta dessa pergunta não é simples. Esse problema permeia desde a educação básica até a atenção midiática e isso molda a forma que percebemos a flora ao nosso redor. E enquanto discutimos e lamentamos o desaparecimento de animais carismáticos ao redor do mundo, seres tão importantes quanto estão se extinguindo de forma silenciosa. Pelo menos, para uma questão, temos uma resposta simples. Se devemos ou não nos preocupar com a conservação de espécies vegetais, assim como nos preocupamos com a fauna? Sem dúvidas. Plantas e animais dependem uns dos outros, tanto direta quanto indiretamente. E nós não estamos fora dessa relação. A perda de biodiversidade, como um todo, implica em incontáveis perdas para nós. Plantas não fazem parte somente da nossa alimentação, mas também de culturas e medicinas, sequestram carbono da atmosfera, auxiliam na regulação do clima.
Temos hoje, no Brasil, quase 47 mil espécies de plantas conhecidas. O Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora) , que fez a maior avaliação que existe de plantas nativas ameaçadas até agora, investigou cerca de 6 mil espécies nativas. Metade das plantas avaliadas está ameaçada de extinção. A que ponto estaríamos se fosse possível avaliar todas as espécies de plantas nativas? Esse é, com certeza, o tipo de pergunta que eu temo saber a resposta.
*Letícia Marinho faz divulgação científica sobre botânica e assuntos afins através do Twitter (@eueasplantas ).
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O post “Cadê a planta que estava aqui?” foi publicado em 18th June 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco