O momento crítico causado pela pandemia de COVID-19 reafirma o antigo ditado de que grandes crises também geram novas oportunidades. A necessidade de fomentar ações para ativar o emprego e a geração de renda cria uma oportunidade única para a adoção de soluções sustentáveis como elemento dinamizador da economia.
As sucessivas crises econômicas demonstraram a incapacidade do modelo liberal em resolver a instabilidade do capitalismo globalizado inerente ao atual século. Por isso, ganha corpo a ideia de uma nova agenda para a economia, acoplando a superação da recessão com a transição para o desenvolvimento sustentável. Propostas como Green New Deal, Economia Verde e Big Push Ambiental ganharam terreno e centralidade no debate político. Não são programas ou planos de ação detalhados mas diretrizes para viabilizar a recuperação pela transformação da economia com incorporação dos princípios de sustentabilidade.
Essas propostas têm uma raiz fortemente keynesiana, na medida em que propõem incentivos a gastos sociais e ambientais, sobretudo voltados à crise climática, como forma de reativar a economia. Contudo, inovam ao impor a seletividade na escolha dos setores e agentes a serem beneficiados: não se pode apoiar qualquer tipo de gasto ou ação que aumente o emprego, mas apenas aqueles que também contribuam para conservação ambiental e inclusão social.
A proposição é de mudança estrutural da economia, e não simplesmente reativar níveis anteriores de crescimento econômico. Atividades intensivas em conhecimento e baixo impacto ambiental devem ganhar espaço em detrimento dos setores intensivos em recursos naturais, energia e emissão de poluentes.
A transição para uma economia sustentável não ocorre espontaneamente, mas precisa ser induzida por políticas públicas ativas e coordenadas com o setor empresarial e a sociedade civil. Logo, é necessária a participação ativa do Estado como coordenador, seja promovendo diretamente os investimentos necessários à essa transição, seja implementando políticas para incentivar o investimento privado em setores com baixa pegada ambiental. Isso requer a definição de critérios objetivos de sustentabilidade e métricas de seu desempenho, bem como capacitação técnica dos gestores envolvidos na tomada de decisões, com treinamento, disponibilidade de recursos e, sobretudo, motivação.
A iniciativa privada, motor da atividade produtiva, deve receber estímulos diretos para as áreas prioritárias. Mas incentivos devem ser cortados para o que é contraditório à sustentabilidade. Portanto, além de programas de geração de emprego, deve-se investir no treinamento e qualificação da mão de obra para uma economia verde.
A tributação deve ter como pilar central a internalização dos custos sociais das ações privadas (princípio do poluidor pagador), através da taxação de poluentes e atividades predatórias, como a produção agropecuária em áreas recém desmatadas. O caráter progressivo da tributação também deve ser ressaltado, de modo a enfatizar seu caráter redistributivo em favor da inclusão social.
Um exemplo dessa mudança de prioridade refere-se à política fiscal para a agricultura. Incentivos e subsídios devem ser concentrados nas práticas sustentáveis, como agricultura de baixo carbono, produção orgânica e pecuária de baixo impacto ambiental. Também deve-se privilegiar a agricultura familiar, que é quem mais emprega e alimenta os brasileiros. Por outro lado, deve-se interromper imediatamente os diversos subsídios destinados à produção que desemprega, desmata ou intensifica o uso de agrotóxicos.
Essa engrenagem requer uma maior participação do Estado, em função da prerrogativa de planejar e regular a economia. É fundamental abandonar as restrições absolutas ao gasto público, como estabelecidas pela Emenda Constitucional n.º 95, e estabelecer formas mais inteligentes de controle, cortando o que deve ser evitado mas aumentando o que precisa ser estimulado.
É evidente que o Governo Federal não irá se envolver nesse projeto de modernização enquanto durar o atual mandato presidencial. Mas há bastante espaço nos Governos Estaduais e Municipais para ações de esverdeamento da economia. Também há crescente envolvimento dos Poderes Legislativo e Judiciário nessas questões. Isso é reflexo de transformações da sociedade, e parte do empresariado nacional já percebeu que, para manter-se competitivo, é preciso um forte comprometimento socioambiental das empresas.
Enfim, apesar das evidentes dificuldades, há também oportunidades para a saída da crise pela transição rumo à uma economia mais eficiente no uso dos recursos, mais inclusiva socialmente e com maior atenção à proteção do meio ambiente. A eclosão da crise econômica provocada pela COVID 19 abre uma janela de oportunidades para repactuarmos a nossa sociedade na direção de um modelo de desenvolvimento econômico sustentável, mais inclusivo e socialmente justo. Os desafios são enormes, especialmente por causa dos passivos históricos, como a exclusão social, a desigualdade, e insuficiência dos serviços públicos. As soluções para essas questões devem explorar ao máximo as sinergias entre a conservação e recuperação ambientais, a retomada da atividade econômica e a redução das disparidades sociais. Como disse Keynes, a verdadeira dificuldade não está em aceitar novas ideias mas em escapar das velhas.
*Carlos Eduardo Frickmann Young é economista, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
**Marcio Alvarenga Junior é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (GEMA-UFRJ)
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O post “Proposições de economia verde para sair da crise” foi publicado em 10th June 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco