No momento em que governos e empresas do mundo todo elaboram seus planos envolvendo trilhões de dólares para relançar a economia e enfrentar as consequências da pandemia do coronavírus, é preciso estarmos atentos sobre como será essa retomada. Temos duas crises a superar: o vírus e a climática. E a primeira é consequência da segunda.
O esforço para não perder postos de trabalhos e fechar empresas deve levar em conta ações para cumprirmos a Agenda 2030 da ONU. Mas sociedades, governos e empresas pensam a curtíssimo prazo. Está na hora disso mudar.
Em entrevista exclusiva ao ((o))eco, o economista e ambientalista Sérgio Besserman fala sobre o que precisamos fazer e ressalta o papel de cada um. Não é hora de pensar pequeno.
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((o))eco: Nesse momento de replanejar os negócios, temos uma ótima oportunidade para as empresas adotarem, de maneira mais firme, a transição de uma economia de baixo carbono. Precisamos precificar o carbono, que foi um dos fracassos da COP25 em Madri. As empresas não estão incluindo os custos extras da mudança climática. Como convencê-las?
Sérgio Besserman: Não tem resposta de um caminho prático. A questão não é essa, mas sim querer entrar no caminho. Mercado é uma maravilha para alocar recursos, mas ele é cego e surdo a qualquer outro valor. E ele é uma instituição criada pela humanidade ao longo da história para alocar eficientemente recursos na direção do crescimento econômico e não quer saber de mais nada. Esses outros valores vão sendo impostos ao mercado pelo movimento democrático, pela civilização. E o drama é que isso foi ocorrendo na História dentro dos Estados-nação e, de uns 40 anos para cá, a globalização intensificou de uma maneira exponencial, mas a única coisa que globalizou de verdade foram os mercados, não o trabalho. Mas a capacidade da sociedade de introduzir no mercado coisas que o mercado só vai assimilar se elas forem introduzidas pela Política, com P maiúsculo, antes se davam nos estados-nação, agora teria que se dar num nível planetário.
Então só funciona se for uma ação global?
Sim. Porque se proíbe qualquer empresa, por exemplo, no Rio de Janeiro, de emitir uma molécula a mais de CO2, mas no Espírito Santo, São Paulo e Minas Gerais não, o planeta esquenta do mesmo jeito, e o Rio de Janeiro se ferra. Ou no mundo pós-pandemia, se, por acaso, a Europa cumprir o que está sendo falado por lá e que o caminho da recuperação é o Green New Deal de baixo carbono, mas digamos que a China diga que não vai pensar nisso agora… A Europa vai sobretaxar todos os produtos chineses ou então ela não vai fazer o Green New Deal, por que de que adianta ir para o baixo carbono e os consumidores europeus comprarem produtos da China? Ou então as empresas se deslocarem da França pra China.
A transição para economia de baixo carbono, muito mais do que boa vontade das empresas, tem que haver precificação de CO2. Há a externalidade negativa que é esquentar o planeta, e a precificação pode ser por quotas, principalmente uma taxação global, para a qual não existe a mínima governança global a respeito nem temos a menor ideia de quando isso vai acontecer.
O Acordo de Paris é uma decisão política em torno de metas voluntárias, sem qualquer tipo de sanção para quem não cumprir. Foi um avanço grande político, mas não é operacional.
Sem essa precificação, muitas empresas percebem que, estrategicamente vão ter que ir para carbono zero, mas vão bem devagar. A gente está perdendo essa guerra de 7 x 1! Não tem a menor chance de cumprir 2 graus celsius (Limite máximo de aumento de temperatura global neste século e meta dos acordos globais de clima). Não é mais possível. Então tem que haver a precificação ou por quota, só que quem não cumprir, paga um preço elevado. Outra opção mais inteligente seria uma taxação global. Você arrecadaria e redistribuiria. Devolve o dinheiro à África, aos países pobres para mitigarem e se adaptarem. Mas tem que ter uma das duas opções.
Como acelerar o processo para uma economia de baixo carbono?
Há duas forças positivas que empurram nessa direção: grandes empresas do mundo estão exigindo a precificação para que elas consigam investir. A outra força é que mudou o contexto. As empresas iam fazendo um pouco de precificação, um pouco por preocupação com seu futuro estratégico, pelos clientes, principalmente, na Europa. Mas, no ano passado, antes da pandemia, houve uma grande mudança, quando do aumento do nosso conhecimento de curto prazo de quão grave é a crise climática. A vida começou a mostrar há uns cinco anos, que os custos são pesados. Vai acontecer algo parecido em algum momento com a crise climática. Todo mundo vai exigir ação, porque vai morrer gente.
Ano passado, grandes blocos de investidores como Black Rock (que administra US$ 6 trilhões) começaram a dizer: tem que ser baixo carbono. Mas essas são as forças na direção positiva não são suficientes para avançar na velocidade em que a gente precisa, considerando que, nos últimos 30 anos, quando a ciência já era mais do que suficientemente robusta, nós não fizemos nada. Na verdade, a gente fez milhões de coisas, mas se for somar com as emissões de gases de efeito estufa, não aconteceu nada. Metade deles foi emitido nos últimos 30 anos, quando a gente já sabia de tudo! E ninguém parou de emitir.
E agora com a pandemia, isso deveria ser prioridade, mas vai ficar em segundo plano?
Tem um custo do efeito estufa (externalidade negativa) e tem que deixar de ser. É custo, mas claro que também é uma oportunidade para um milhão de gente inventar novo combustíveis, novos materiais, etc e tal, mas essencialmente é um custo que não existia. Ele é real e é muito melhor negócio agir agora do que deixar para agir depois, tem dinheiro inclusive. Mas no meio da pandemia fica fácil dizer que isso está em terceiro lugar: primeiro vem vidas, depois bem-estar. Vamos pensar em dinheiro. Eu gosto de usar uma imagem: o é que é mais barato, despoluir a Baía de Guanabara ou não ter poluído? Agora eleva isso a enésima potência e é a crise climática. Só que o esse agir agora, coletivo, enfrenta uma barreira: todos os estoques de capital estão avaliados aos preços de hoje. Quanto vale a Petrobras, Vale do Rio Doce? Qualquer empresa vale tanto pela avaliação de mercado aos preços de hoje. E o preço amanhã, a estrutura geral de preços de uma economia de mercado global, amanhã ou, no momento em que a humanidade cair a ficha, vai mudar radicalmente. Se todo mundo tivesse a mesma intensidade de carbono, era um salto para cima, mas a intensidade de carbono é completamente diferente entre países, cidades, empresas e cesta de consumo das pessoas. Então, quando você precifica as emissões, o impacto é completamente assimétrico.
As empresas continuam apenas pensando a curto prazo?
Sim. Há um negacionismo, mas ele não bobo, é um negacionismo do mau: ‘e o meu negócio como é que fica?’.
Há uma questão de horizonte temporal: uma empresa olha e vê que tem de fazer transição para baixo carbono e isso implica em gastar um monte de dinheiro. O CEO desta empresa é avaliado nem pelo balanço anual, mas pelos balancetes trimestrais. Então ele pode ser um CEO maravilhoso, ter uma ideia clara, sabe tudo de baixo carbono, até por acaso, é um amante da ciência, mas se ele não der os dividendos que os acionistas estão esperando naquele ano, ele dança.
Numa linguagem cínica, a taxa de retorno do político é voto daqui a 2, 4 anos. Ele pode ser um estadista, mas quantos fazem como Churchill, que ganha a guerra, mas perde a eleição. A humanidade sempre viveu pouco, nunca se preocupou com futuro… sempre foi assim.
O senhor acha, então, que quando acabar o confinamento, tudo vai voltar o mais próximo possível do que era antes. Não teremos mudanças?
Quem sabe o século XXI não vai ser a descoberta que a compaixão, a empatia, a coesão social são fundamentais para eu me realizar como indivíduo? Preciso de uma sociabilidade diferente da atual, e uma sociabilidade coletiva decente não pode prescindir de indivíduos diversos e livres.
Nós temos um problema espacial – de governança global –, e tem um problema de consciência, mas não é de certo ou errado, mas sim de quem é o Sapiens. É uma revolução do porte do Iluminismo, do Renascimento ou até muito maior. O Sapiens tem que expandir a consciência dele no tempo. Estamos tendo uma experiência interessante com a pandemia. Estamos, pela primeira vez na História, integrados. A nossa tribo agora é a humanidade. É aldeia global mesmo: temos uma experiência traumática vivida simultaneamente por sete bilhões.
Então o senhor não acredita em retrocessos?
Sim, pode ter os nacionalistas e os mundos se fecharem um pouco, mas vai ser um efeito menor na linha da História. Mas a necessidade de se reconhecer como espécie e civilização no tempo, isso vai avançar. Não tem a pandemia? Não tem que achatar a curva da pandemia? Tem que achatar a curva da crise climática, senão não vai dar tempo de a gente se adaptar! Não estamos falando de futuras gerações: dois dos sete bilhões da população mundial estarão vivos em 2100. Greta Thumberg diz: ‘A gente sabe que vai ter um desastre e vocês não vão fazer nada?’. O rei está nu. Não tem a pandemia? Não tem que achatar a curva da pandemia? Tem que achatar a curva da crise climática, senão não vai dar para gente se adaptar e se virar. Que curva? A que já está contratada: 2 graus em um século. E é um Everest!
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O post ““Tem que achatar a curva da crise climática e é um Everest”, alerta Sérgio Besserman” foi publicado em 29th April 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco