A pandemia da COVID-19 também está se desenvolvendo em países marcados por conflitos armados. Em artigo publicado no jornal francês Le Monde, o chefe das Forças de Paz das Nações Unidas, Jean-Pierre Lacroix (*), destaca o papel que os capacetes azuis podem ter com os Estados-membros.
Leia a íntegra:
Ninguém, nenhuma comunidade, nenhum país está imune desta pandemia mortal. Esta é uma crise de dimensões globais, com impactos humanos, sociais e econômicos devastadores como já temos visto pelo que está acontecendo ao redor do mundo. Como chefe das Operações de Paz das Nações Unidas, estou particularmente preocupado com aquelas áreas onde a COVID-19 vai encontrar com o conflito armado.
Pessoas em ambientes políticos frágeis, onde indivíduos estão vivendo em sociedades afetadas por conflito ou pós-conflito, com pouca ou nenhuma infraestrutura ou redes de segurança sanitária ou social, estão especialmente em risco. Como você lava as mãos sem acesso a água limpa? E agora para as mulheres que pagam um preço desproporcional como cuidadoras e integrantes das linhas de frente e que podem perder a habilidade de alimentar suas famílias por conta de economias em colapso?
E se, além de tudo isso, pessoas estão vivendo sob ameaça de grupos armados ou atos terroristas? Assim como o corpo não pode se defender bem com um sistema imunológico comprometido, populações que são privadas de sistemas de saúde funcionais e redes de apoio são ainda mais vulneráveis à pandemia e suas consequências. O mesmo pode ser dito para lugares onde nossas operações de paz atuam – civis vulneráveis são os que correm mais risco.
Continuando nossa missão de promover resolução de conflito
Os trabalhadores das forças de paz das Nações Unidas não são remédio para a COVID-19, mas em muitos lugares eles são parte do plano de tratamento. Operações de paz devem continuar seu trabalho e manter capacidade operacional, assim podemos entregar nosso mandato de salvar vidas – promovendo resolução de conflito e protegendo as populações que servimos, assim como nosso pessoal da ONU.
Em países como República Democrática do Congo, República Centro Africana, Mali e Sudão do Sul, onde a paz é frágil e as populações já sofreram muito, nossas missões estão apoiando as autoridades estatais e outros parceiros. Seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), continuamos a patrulhar, enquanto aplicamos as regras de distanciamento social e aumentamos o uso de recursos online.
Enquanto isso, continuamos a dar toda a assistência direta que podemos, incluindo proteção a depósitos e a suprimentos humanitários. Nossas aeronaves estão voando numa época em que muitas outras não estão. Como sempre, isto é uma parceria. Os estados-membro que enviam pessoal militar e policial estão trabalhando conosco para suspender ou adiar planos de remanejamento e rotação.
É hora de silenciar as armas
Manter os capacetes azuis no terreno para ajudar a conter a pandemia é um passo importante para ajudar os países a vencer este desafio. Por isso, precisamos do apoio dos estados-membros mais do que nunca, em linha com a iniciativa Ação para Forças de Paz do Secretário-Geral (A4P), que permanece no cerne do nosso trabalho. A disposição deles em permanecerem comprometidos com as operações de paz é central para nossa habilidade de ajudar.
No terreno, nós rapidamente adicionamos medidas de precaução, incluindo quarentena e confinamento, em cooperação com as autoridades do país anfitrião. Nossas missões também estão trabalhando de perto com autoridades nacionais para apoiar suas respostas. Estamos dando suporte multifacetado: estamos facilitando comunicações remotas graças a nossos meios tecnológicos, estamos ajudando a garantir que cadeias de suprimento críticas sejam mantidas e nosso pessoal está alertando as comunidades sobre o coronavírus, através de plataformas de rádio local e mídia digital, assim como durante o patrulhamento.
A luta contra este vírus mortal – nosso inimigo comum – requer que todos nós estejamos unidos e atuemos juntos. Todos os trabalhadores das Forças de Paz da ONU que estão atualmente mobilizados merecem nosso apoio e gratidão; estes homens e mulheres continuam a servir sob a bandeira azul na causa da paz, em condições ainda mais difíceis em razão da COVID-19.
Graças a eles, os esforços em consolidar a paz não enfraqueceram, apesar deste vírus que eles estão ajudando a combater. No dia 23 de março, em Nova Iorque, o secretário-geral da ONU afirmou que “é tempo de colocar o conflito armado em confinamento e focarmos juntos na verdadeira luta das nossas vidas”, pedindo que as partes beligerantes ao redor do mundo se comprometam com um cessar-fogo global. Nossas missões têm espalhado esta mensagem e a estamos repetindo agora – é tempo de silenciar as armas.
(*) Jean-Pierre Lacroix é chefe das Forças de Paz das Nações Unidas. Este artigo foi publicado no jornal Le Monde no dia 2 de abril de 2020.
Fonte
O post “ARTIGO: Forças de Paz e pandemias” foi publicado em 6th April 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ONU Brasil