Por Vinícius Pinheiro*
As previsões para o emprego na América Latina não eram boas e, após a chegada da pandemia da COVID-19, elas são piores. Enfrentamos uma emergência que está infectando o mundo do trabalho e agora é uma prioridade agir de maneira eficaz para reduzir as consequências nos mercados de trabalho da região .
Em muitos de nossos países, a maioria da população foi submetida a uma situação impensável há apenas algumas semanas. Com confinamento obrigatório e medidas de restrição de mobilidade, os motores de nossas sociedades se desaceleram e um estranho silêncio é imposto. Agora sabemos que, para além das fronteiras da medicina, enfrentaremos desafios sem precedentes como consequência do impacto econômico e social da COVID-19 .
A desaceleração econômica global, junto com a expectativa de propagação da pandemia, provocará um aumento no desemprego, principalmente entre os mais vulneráveis, maior precariedade, diminuição da renda e grande pressão sobre os sistemas de proteção social.
Em todo o mundo, até 25 milhões de pessoas poderão se juntar às fileiras do desemprego por causa da pandemia, segundo novas estimativas da OIT, e, certamente, uma parte delas será formada por homens e mulheres desta região. O estudo da OIT também mostra que o número de pessoas em situação de pobreza laboral pode aumentar em cerca de 35 milhões, a maioria em países de renda média como os nossos.
A COVID-19 chega quando a falta de dinamismo econômico na América Latina já era notória. Em 2019, o crescimento médio foi de apenas 0,1% e a CEPAL havia previsto para 2020 escassos 1,3%. Na OIT, alertamos com preocupação que o desemprego aumentaria de 8,1% em 2019 para 8,4% em 2020. Em números absolutos, os mais de 25 milhões de desempregados atuais aumentariam para quase 27 milhões este ano.
Mas isso foi antes da pandemia.
As estimativas iniciais do efeito econômico da COVID-19 são desalentadoras. A própria CEPAL sugeriu que o crescimento seria negativo, podendo desacelerar para -1,8%. Já se fala de um aumento significativo do desemprego e da pobreza em toda a região.
Nas ruas, as pessoas se perguntam, com medo, o que será de seus empregos, as empresas, das menores às maiores, devem enfrentar inatividade e perdas, e algumas famílias devem ficar sem renda. A situação é ainda mais complicada para quem trabalha informalmente , para quem não tem qualquer tipo de proteção social e também para as populações vulneráveis que dependem de empregos temporários ou que encontram emprego em setores com alta precariedade muito sensíveis às mudanças econômicas.
Mulheres, jovens , indígenas e migrantes, que já enfrentam problemas para incorporarem-se à força de trabalho com sucesso, terão que enfrentar problemas ainda maiores de desemprego e informalidade.
Em meio a esse cenário turbulento, existe o consenso de que os impactos econômicos e sociais dependerão em grande parte da capacidade de resposta dos governos da região, que já anunciaram medidas de emergência, incluindo fortes investimentos em recursos e medidas específicas para proteger os empregos e a renda, cientes de que os efeitos colaterais da doença são enormes. No entanto, esta batalha será longa.
A primeira linha de defesa concentra-se em medidas sanitárias e de contenção epidemiológica, como vimos em quase todos os países. No curto e médio prazos, é fundamental manter medidas de estímulo econômico, promoção do emprego, proteção das pessoas e das empresas que geram empregos e respeito aos direitos trabalhistas, a fim de mitigar as consequências a longo prazo. Esse é um grande desafio, especialmente quando o espaço fiscal é limitado na região.
A experiência com políticas anti-crise acumulada desde que enfrentamos a contração de 2008-2009 contém um importante menu de opções e sugere um roteiro para respostas baseadas em três pilares de ação que devem ser considerados essenciais para enfrentar a crise: proteger os trabalhadores no local de trabalho; estimular a economia e a demanda por mão de obra por parte das empresas; e apoiar o emprego e a renda das pessoas, principalmente as mais vulneráveis.
Medidas específicas devem incluir o aumento da cobertura e a adaptação dos sistemas de seguridade social, apoio à proteção do emprego, subsídios financeiros e fiscais, incluindo os para micro, pequenas e médias empresas, entre outras. Também devem ser consideradas medidas especiais de saúde e segurança no trabalho, voltadas especialmente para os trabalhadores da área da saúde e outros setores mais vulneráveis ao contágio.
O diálogo social envolvendo governos, empregadores e trabalhadores é um instrumento essencial para enfrentar esta crise, pois permite a adoção de estratégias concertadas, principalmente quando a falta de confiança e a alta tensão social podem ser parte das sequelas do COVID-19. As normas internacionais do trabalho devem servir de base para o desenho de políticas de resposta a esta crise.
Será preciso realizar grandes esforços para atender às necessidades prementes que surgiram como consequência do COVID-19 e para lançar as bases para uma recuperação gradual. Mas é essencial avançar rapidamente. A experiência adquirida em crises anteriores e nos países que reagiram de forma tardia mostra que a preparação e a ação rápida são fundamentais.
A deterioração dos indicadores de trabalho pode levar a retrocesos no terreno conquistado na luta contra a pobreza e a desigualdade nos últimos anos, justamente, quando em diferentes partes da América Latina surgem vozes nas ruas que exigem mais oportunidades e, acima de tudo, maior equidade.
A OIT faz um chamado a enfrentarmos, a partir deste momento, o contágio da COVID-19 no emprego. A ação do mundo do trabalho é imperativa diante da pandemia. Tratemos evitar o que um grande escritor nos advertiu, ao descrever um amor nos tempos do cólera, lamentando que “a sabedoria nos alcança quando já não nos serve de nada “.
*diretor regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a América Latina e o Caribe
Fonte
O post “ARTIGO: América Latina e o emprego nos tempos de pandemia” foi publicado em 27th March 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ONU Brasil