Criado pelo governo do estado do Pará em outubro de 2019 como alternativa à paralisação do Fundo Amazônia, o mecanismo de financiamento de projetos ambientais paraense, chamado Fundo Amazônia Oriental (FAO), replica proposta que está sendo rechaçada por doadores do mecanismo nacional, o que pode levar à sua inoperância, defendem especialistas.
Entre as falhas citadas, está a falta de metas claras para a aplicação dos recursos e o desequilíbrio na representatividade dos diferentes setores da sociedade no Comitê responsável por gerir o Fundo. No final de 2019, entidades da organização civil paraense se negaram a participar do edital de composição do Conselho.
Em novembro passado, 11 organizações da sociedade civil paraense ou que atuam no Estado já haviam enviado uma carta ao governador Helder Barbalho (MDB) alertando para esses problemas. A carta nunca chegou a ser respondida.
O que é o FAO
O Fundo Amazônia Oriental (FAO) foi criado pelo Decreto 346, de 14 de outubro de 2019 , como uma estratégia de financiamento ambiental para a execução das metas de políticas públicas de meio ambiente e desenvolvimento do Pará. O fundo, segundo a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará (SEMAS), será desenvolvido com recursos privados, doados por pessoas físicas, entidades privadas nacionais ou internacionais e por estados estrangeiros.
Ao criar o FAO, a ideia do governador Helder Barbalho era atrair os investimentos internacionais que iriam para o Fundo Amazônia e que foram paralisados, após o governo de Jair Bolsonaro anunciar que pretendia mudar as regras de como este mecanismo era gerido e tentar reduzir a participação da sociedade civil no Comitê Orientador do fundo nacional (COFA), além da alta no desmatamento registrado no período.
Até 2019, o Pará era o Estado que mais recebia recursos do Fundo Amazônia (24,3%). O principal projeto beneficiado era o Municípios Verdes, que atinge 124 cidades com recursos de R$ 90 milhões. À época da crise que levou à paralisação dos aportes, o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, José Mauro de Almeida, chegou a afirmar que o Estado não podia prescindir do Fundo nacional. “Nós não temos recursos disponíveis para fazer frente às demandas ambientais. E não é só ambiental, a gente precisa ser indutor de boas práticas agrossilvopastoris , temos que melhorar a cadeia produtiva da carne, da floresta, da soja”.
Ao anunciar a criação do Fundo Amazônia Oriental , em outubro, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará informou que havia firmado acordo com o banco alemão KFW para a captação de 12,6 milhões de euros ao Estado para a compra de equipamentos, veículos e a construção e aparelhamento de cinco Núcleos Regionais da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, para aumento da fiscalização e monitoramento de todo o território paraense.
“A partir do FAO, o governo do Estado poderá receber doações e outros recursos de investimentos com eixos mais amplos que o Fundo Amazônia, além da possibilidade de parcerias que até então o Pará não tinha […] O nosso Fundo Amazônia Oriental tem objetivos e eixos mais amplos, além de ter a característica de ser privado e não público. Com isso, teremos mais agilidade na aplicação dos recursos que forem angariados”, comentou José Mauro de Almeida, à época.
Problemas de configuração
Apesar de a criação do FAO ter sido celebrada entre diferentes setores da sociedade paraense, por sinalizar para uma garantia de que as ações até então executadas com recursos internacionais encontrariam uma forma de continuar a serem viabilizadas, especialistas acreditam que a forma como ele foi construído pode levar à sua eventual inoperância.
O primeiro problema identificado seria a falta de metas claras a serem atingidas com a aplicação dos recursos. Atualmente, a única estratégia existente no Estado para a redução do desmatamento e emissões de gases de efeito estufa – o Plano Estadual de Prevenção, Controle e Alternativas ao Desmatamento do Estado do Pará (PPCAD) – está desatualizada e contém metas somente até 2020, que tampouco serão cumpridas devido à alta do desmatamento verificada nos últimos anos.
Historicamente, o Pará é o estado com maiores taxas de desmatamento do país. Segundo último levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Pará foi responsável por 39,56% do total do desmatamento registrado pelo Sistema Prodes em 2019, com 3.862 km², de um total de 9.762 km² desmatados.
Em 2020 a situação não mudou. O último boletim do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Imazon , divulgado em meados de fevereiro, apontou aumento de 74% de desmatamento por corte raso na Amazônia, em relação ao mesmo mês de 2019. O Pará continua no topo da lista dos estados que mais desmataram. Quase um terço (28% ou 55 km²) de todo desmatamento de janeiro ocorreu em solo paraense.
Outro ponto que gerou críticas foi a falta de salvaguardas que garantam a efetividade e transparência na gestão dos financiamentos. O decreto de criação do FAO prevê que o Comitê Gestor do Fundo tenha oito vagas: seis delas para membros do Governo do Estado e apenas duas para organizações da sociedade civil.
“As entidades da sociedade civil paraense não concordam com esse formato, porque duas vagas não reflete a diversidade de participação e representatividade que em geral se espera de um fundo que vai captar recursos para redução de desmatamento. Quando falamos de mecanismos de REED [Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação], estamos olhando para povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas, setor privado, academia, sociedade civil, então, estamos olhando para no mínimo de 5 vagas, tal como é o próprio Fórum Paraense de Mudanças Climáticas”, diz Brenda Brito, consultora em temas ambientais e fundiários na Amazônia e pesquisadora associada do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Além da falta de assentos para a sociedade civil, as organizações signatárias da carta enviada ao Governador do Estado em novembro passado também atentam para a ausência de participação dos municípios paraenses na gestão do Fundo. Eles lembram que tais princípios foram adotados com sucesso na Criação do COFA (Comitê Orientador do Fundo Amazônia), o que gerou credibilidade e confiança perante doadores internacionais e permitiu a captação de R$ 3,4 bilhões para investimento em ações em todo território amazônico desde sua criação.
“A ameaça de mudança na composição do COFA para instituir um controle majoritariamente do governo contribuiu com a atual crise deste fundo. Portanto, novos mecanismos financeiros criados com objetivos semelhantes precisam considerar essa experiência e adotar as boas práticas de participação pública”, diz a carta.
O edital para seleção de organizações da sociedade civil interessadas em compor o Comitê Gestor do FAO foi publicado no final de novembro de 2019, dispondo duas vagas. Apenas uma organização se candidatou e foi selecionada: a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Segundo apurou ((o))eco, a Abag não tinha ciência do descontentamento das organizações paraense em relação à formatação do Comitê do FAO. Por e-mail, a Associação informou que vai aguardar uma reunião com o Governo do Pará, marcada para início de março, para então se posicionar sobre o assunto.
De acordo com Adriana Ramos, especialista em políticas públicas no Instituto Socioambiental (ISA), o decreto de criação do FAO tem o aspecto positivo de trazer a ideia de sociedade civil ampla, na qual não participam somente Organizações Não-Governamentais. No entanto, como a representação é limitada e apenas uma entidade se candidatou, o setor privado acabou ficando como representante da sociedade civil como um todo. “Aí realmente não faz o menor sentido, porque você deixa de ter o setor ambiental representado”, diz.
“Os doadores da Cooperação Internacional, a exemplo do que aconteceu com o Fundo Amazônia, estão muito cientes dessa questão da participação, então, é um equívoco o governador [Helder Barbalho] achar que ele vai conseguir convencer doadores a botarem dinheiro em um fundo que não tem participação da sociedade civil para exercer um controle social efetivo”, complementa a especialista do ISA.
Ainda não se sabe se o Fundo Amazônia Oriental já recebeu algum aporte ou se está efetivamente em operação. Por várias semanas, ((o))eco tentou contato com a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, por telefone e e-mail, para responder a estas e outras perguntas, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.
Atualização
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semas) informa que o Fundo Amazônia Oriental está sendo estruturado em 3 pilares básicos: Governança, Gestão e Captação. O FAO estará apto a receber recursos, assim que forem concluídas as tarefas previstas nos dois primeiros pilares, que estão em andamento. A próxima etapa é concluir a formação do Conselho Gestor. Em relação aos recursos, já existem negociações em curso. Já a seleção de projetos ocorrerá somente a partir do funcionamento efetivo do Fundo, com a concretização das 3 etapas citadas anteriormente.
*Atualizado em 02/0/2020, às 14h33.
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O post “Alternativa ao Fundo Amazônia, estratégia de financiamento do Pará carece de metas” foi publicado em 2nd March 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco