Já dizia o Tom e o Vinícius, tristeza não tem fim, felicidade sim. Parece pessimista, mas podia ser a canção tema da biodiversidade brasileira e mundial; e dos ambientalistas que trabalham o ano inteiro.
O carnaval é um momento único da cultura brasileira. Tanta gente feliz, fantasiada, vivendo uma vida que não tem ou não pode ter. É a metáfora para a felicidade do pobre que faz sua fantasia. Será a metáfora para nossos intentos em salvar a natureza?
O fim do plano estratégico para a conservação da biodiversidade elaborado pela Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas é agora em 2020. Avançamos? Um pouco. Aumentamos o número e principalmente a área coberta por reservas no planeta, elaboramos planos de ação para salvar espécies ameaçadas, criamos protocolos de acesso e distribuição dos benefícios oriundos do uso da biodiversidade, mas tudo mais no papel do que na prática.
De fato, uma grande mudança de estado da biodiversidade ainda não aconteceu. Ao contrário, relatórios globais e brasileiros apontam uma tendência de perda de biodiversidade nos anos que se seguem, principalmente devido à conversão da terra (como o desmatamento de florestas para expansão da agricultura) e às mudanças previstas no clima. Dois problemas globais, minimizados pelo atual governo brasileiro.
Para ter uma dimensão desses problemas, basta ler o relatório global sobre o estado da biodiversidade e serviços ecossistêmicos elaborado pelo IPBES (Painel Internacional de Ciência e Política sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) e o relatório nacional sobre o mesmo assunto publicado esse ano pela BPBES (Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos).
Como reação à distância observada entre os planos e a real recuperação da natureza, a ONU por meio da CBD já planeja o arcabouço de metas pós-2020. As discussões já começaram no ano passado e durante o carnaval um grupo se reunirá em Roma para aprimorar as intenções desse arcabouço.
A ONU decretou que 2021-2030 será a década da restauração. Muitos esforços serão empregados no desenvolvimento de grandes programas de recuperação de áreas degradadas. O Brasil se comprometeu há tempos com isso, tendo anunciado uma meta ambiciosa de restaurar 12 milhões de hectares no país, até 2030. Aliás, 2030 é um outro marco importante, pois define o limite para o cumprimento das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, ODS – um arcabouço também elaborado pela ONU e que tem maior abrangência por focar na sustentabilidade e na narrativa socioambiental. Dentre esses objetivos estão a conservação da vida na água e na terra, mas também a redução da pobreza, a igualdade de gêneros e o enfrentamento às mudanças climáticas.
Com o aumento do nacionalismo conservador, da relativização da ciência como fonte de solução de problemas, da desconstrução da singularidade da cultura e conhecimento indígenas – de onde certamente virão soluções – ao dizer que “cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós” fica difícil acreditar em um projeto global para alcançar esses objetivos. Governos como o dos EUA, Hungria, Polônia, Venezuela e Brasil, para citar alguns, têm se posicionado na contramão desses objetivos.
Será que tudo vai acabar na quarta-feira, assim como a ilusão do carnaval? Será que a tristeza não tem fim? Será que a felicidade é mesmo como uma gota de orvalho que cai como uma lágrima? Se eu gostasse de curtir a festa do carnaval, iria apenas ignorar isso tudo. Como vou buscar sossego, me resta, em meio a natureza, recarregar as energias e trabalhar, de novo, o ano inteiro.
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O post “Tristeza não tem fim, biodiversidade sim” foi publicado em 23rd February 2020 e pode ser visto originalmente na fonte ((o))eco