Em apenas 13,1% das áreas embargadas na Amazônia de 2008 a 2017 por desmatamento os proprietários cumpriram a legislação e recuperaram o que foi degradado. O dado é de estudo publicado na revista Environmental Research Letters (ERL ) no fim de abril.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores coletaram mais de 6 mil embargos aplicados ao longo de uma década, e selecionaram uma amostra de 1.289, localizada numa faixa de 500 mil km² que concentra a maior parte do desmatamento no bioma.
Por meio de imagens de satélite, eles identificaram que em 86,9% dos polígonos embargados foram mantidas atividades agropecuárias, ou seja, os proprietários não recuperaram a área como determina a lei. As imagens analisadas no estudo foram captadas de 2017 a 2019, “já que a maioria dos embargos de desmatamento ocorreu bem antes de 2017 e, assim, é possível ter uma imagem mais clara sobre o cumprimento ou não da legislação”, explica a publicação.
De acordo com a pesquisa, 80,9% das áreas mantiveram atividade de pastagem, principal vetor de desmatamento na Amazônia, e 6%, de agricultura. O grau de descumprimento dos embargos não variou conforme a localização, o que mostra que o problema é generalizado, mostra o estudo.
As conclusões apresentam um panorama mais grave do que estudo anterior havia apontado (em menor escala) sobre o cumprimento da legislação. Em 2018, pesquisadores analisaram as sanções aplicadas a proprietários rurais em 4 municípios do Pará e identificaram que 60% das terras continuaram sendo usadas para pastagens, 10% para agricultura, e que apenas 30% tinham sido regeneradas.
O embargo de áreas desmatadas é considerado uma das medidas mais eficazes de combate ao desmatamento por causar restrição econômica imediata ao infrator. Ao ter uma área embargada, o proprietário rural deveria ficar impedido de usar o local para produção, de obter financiamento e de vender produtos derivados de onde ocorreu o dano ambiental.
“Apesar do embargo, as propriedades estavam em pleno uso, principalmente com pecuária. E, claro, a criação de animais impede a regeneração natural da floresta que existiu naquelas áreas. Vimos que apenas 13% estava sob regeneração natural e numa área considerável. Isso significa que uma área extensa poderia hoje ser uma floresta secundária com capacidade de recuperar biodiversidade e armazenar carbono”, diz Ima Vieira, da Universidade Federal do Pará (UFPA), uma das autoras da publicação.
Como a primeira etapa do estudo foi revisar as punições aplicadas ao longo de uma década, outro dado que chamou a atenção dos pesquisadores foi que houve uma redução significativa do número de embargos com o passar dos anos: em 2014, eles corresponderam a apenas 1/3 do que havia sido aplicado nos anos anteriores.
Isso teve reflexo direto nos níveis de desmatamento na Amazônia. De 2004 (ano de implementação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm) a 2012, houve queda de 83% do desmatamento. No entanto, a partir de 2012, quando foi aprovado o novo código florestal, com anistias para multas por desmatamentos ilegais ocorridos até 22 de julho de 2008 em áreas de preservação permanente, de reserva legal e de uso restrito, entre outros benefícios a produtores rurais, a degradação voltou a crescer, e explodiu sob Bolsonaro.
“O aumento do desmatamento observado desde então indica a perda de eficiência do PPCDAm e pode ter ocorrido em razão do enfraquecimento da aplicação de medidas como multa e prisão dos autores de crimes ambientais”, dizem os autores.
Eles destacam, ainda, que esse declínio das sanções pode estar diretamente relacionado com a redução do número de fiscais do Ibama, de 1.311 em 2010 para 743 em 2019 (queda de 43%). Segundo o estudo, isso levou a “um enfraquecimento geral da capacidade de monitoramento ambiental, resultando em níveis crescentes de atividades ilegais, como mineração clandestina de ouro, tráfico de animais, grilagem de terras, biopirataria e violência no meio rural”.
“O que observamos é que o embargo não está sendo respeitado. Assim, o estudo indica que ferramentas de sensoriamento remoto e geoprocessamento podem auxiliar o Ibama no monitoramento e aplicação da legislação”, diz Marcos Adami, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos autores do estudo.
As conclusões da pesquisa servem também como um alerta para as consequências imediatas e futuras do desmonte da política ambiental promovido desde 2019. Em 2016, o Ibama chegou a iniciar a fiscalização remota do desmatamento, com foco em embargos de áreas desmatadas, mas essa operação foi encerrada na gestão Bolsonaro. Sob o atual governo, o desmatamento aumentou 76% em relação a 2018. Além disso, levantamento do MapBiomas mostrou que, em três anos, só 2% dos alertas de desmatamento foram fiscalizados (ou 13% da área desmatada).
Outro estudo , publicado pela UFMG no ano passado, já havia identificado uma queda de 85% dos embargos na Amazônia em 2020, na comparação com 2018. A pesquisa também mostrou que o número de desembargos realizados pelo Ibama superou pela primeira vez o de embargos.
“O sinal passado pelo governo Bolsonaro, desde o início, é de que estão liberados o desmatamento, o uso da terra em desacordo com a legislação ambiental – que inclui o descumprimento de embargos -, o garimpo sem licença e outras infrações ambientais. O presidente e seus auxiliares deslegitimam o tempo todo o Ibama e outros órgãos ambientais. Esse quadro perverso só pode ser enfrentado com a troca de governo”, avalia a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, especialista em Políticas Públicas do Observatório do Clima.
Para ela, há tecnologia e dados disponíveis hoje tanto para realizar remotamente os embargos quanto para monitorar seu cumprimento. “Obviamente, não se consegue fazer isso em áreas com indefinição fundiária, mas dá para alcançar todos os imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Avanços concretos nesse sentido são necessários para o aperfeiçoamento da fiscalização ambiental.”
O post “87% dos embargos ambientais não são cumpridos na Amazônia” foi publicado em 28th May 2022 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima