Gastos de campanhas eleitorais com impulsionamento de conteúdo em redes sociais somavam mais de R$ 33 milhões até o dia 1º de novembro, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Estão entre esses gastos anúncios em plataformas digitais, como Facebook, Instagram, Youtube e Google. Não é possível saber exatamente quanta verba foi destinada a cada plataforma.
Mais de 11 mil candidatos, entre prefeitos e vereadores, declararam ter gastado dinheiro em anúncios online, de um total de 539,5 mil candidaturas em todo o Brasil.
Em média, cada candidato que optou por aumentar seu alcance nas redes investiu pouco menos de R$ 3.000,00 com impulsionamento de conteúdo – candidatos a prefeito gastaram uma média de R$ 6.543,79 e candidatos a vereador R$ 1.633,42.
Porém, os investimentos foram discrepantes: os 20 primeiros candidatos campeões em gastos com impulsionamento gastaram em média R$ 183.870,30 cada; enquanto os 20 últimos, menos de 10 reais.
Nessa eleição, gastou-se mais em mídias digitais do que na produção de jingles, vinhetas e slogans. Com o coronavírus, a categoria também superou os gastos com eventos e comícios. A categoria foi a 11ª que mais recebeu repasses, dentre 42 tipos de despesa. Perdeu para despesas com pessoal, publicidade e programas de rádio e televisão.
Através de anúncios impulsionados no Facebook, candidatos atacaram adversários – o que é proibido pela legislação eleitoral e também viola as regras da plataforma. Algumas dessas publicações foram removidas da rede social: das 20 candidaturas que mais gastaram, 14 tiveram postagens excluídas. A reportagem ainda identificou publicações que atacam concorrentes e que não foram removidas da rede social.
Candidatos têm até o dia 15 de dezembro para fazer a prestação final de contas da campanha.
Campanhas digitais começaram antes do período eleitoral
Algumas campanhas começaram a investir em impulsionamento de conteúdo antes mesmo do início da campanha eleitoral – que foi em 27 de setembro, segundo o calendário do TSE. Dos 20 candidatos que mais declararam gastos com anúncios nas plataformas digitais, 15 (75%) começaram a veicular anúncios no Facebook antes dessa data.
Candidatos que já ocupam cargos políticos impulsionaram anúncios sobre seus mandatos antes do período eleitoral, o que poderia “mascarar” uma campanha antecipada.
Heitor Freire, candidato a prefeito de Fortaleza pelo PSL, quando sua página de Facebook ainda se chamava “Deputado Federal Heitor Freire”, impulsionou postagem em que diz “Passou da hora de endireitar Fortaleza”. O anúncio atingiu mais de 200 mil visualizações entre 19 e 23 de setembro e custou cerca de R$ 400,00. No dia 28 de setembro, ele alterou o nome da página para “Heitor Freire” e começou a veicular mais anúncios, pedindo votos diretamente.
Mesmo sem ocupar cargo público, Felipe Saliba, candidato a prefeito de Contagem, Minas Gerais, pelo Democratas (DEM), começou a impulsionar postagens no Facebook também antes do período eleitoral. Em junho de 2020, criou uma página chamada “Advogado Felipe Saliba”. Em 29 de setembro, ele alterou o nome da página para “Felipe Saliba”.
“Em defesa do cidadão de Contagem. Advogado especialista em direito trabalhista, trânsito, família e consumidor. Estou aqui pronto pra te ouvir e responder”, diz anúncio divulgado pela página do advogado entre 11 e 17 de agosto.
Anúncios do Facebook também divulgaram pré-candidaturas, como por exemplo a de Jilmar Tatto (PT) à prefeitura de São Paulo. A campanha de Jilmar gastou até o dia 1º de novembro R$130.000,00 com impulsionamento. Mas postagens patrocinadas desde julho já apresentavam o político aos eleitores: “Pré-candidato à prefeitura de São Paulo pelo PT. Foi Dep. Federal e Secretário de Transportes e de Abastecimento de SP nas gestões do PT”, diziam os anúncios.
Questionados pela reportagem sobre a campanha antecipada nas redes sociais, os candidatos não responderam.
“Caixa 2”
Para o promotor do Ministério Público do Ceará, Emmanuel Roberto Girão de Castro Pinto, o impulsionamento de conteúdo nas redes sociais durante a pré-campanha é ilegal. “Se eu aceitar o impulsionamento na pré-campanha eu estou aceitando a institucionalização do caixa 2, porque aquelas despesas ali não vão entrar na prestação de contas, não existe CNPJ ainda, não existe conta bancária, não existe nenhum controle.”
Entretanto, o tema ainda se encontra em disputa, sem jurisdição firmada. A Lei Eleitoral determina no seu artigo 57-C que o impulsionamento só pode ocorrer no período da campanha e “desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes”.
O impulsionamento deve acontecer na página do candidato, partido ou coligação; ter sido contratado diretamente com a plataforma ou rede social; identificar o CNPJ da campanha; ser marcado como anúncio eleitoral; e apenas promover candidaturas, não ofender adversários.
A pena de descumprimento é multa no valor de R$ 5.000,00 a R$ 30.000,00, ou o dobro do investimento feito.
Mas, na única decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema, o relator, Ministro Luís Roberto Barroso, decidiu pela legalidade do impulsionamento, já que o post não fez pedido de votos.
Peças de campanhas digitais violaram regras do Facebook e foram removidas
A reportagem da Agência Pública também identificou candidaturas que impulsionaram conteúdos e que violaram a política de Publicidade do Facebook. A plataforma remove anúncios e postagens que contenham, entre outras coisas, conteúdos desinformativos, sensacionalistas ou ofensivos. Além disso, a empresa possui uma política específica para anúncios eleitorais, que determina que páginas que queiram impulsionar postagens desse tipo devem passar por um processo de autorização.
Questionado, o Google não informou se encontrou casos de violação de política de anúncios ou da legislação eleitoral em publicações impulsionadas pela plataforma durante essa campanha eleitoral. A empresa limitou-se a dizer que segue as normas de propaganda eleitoral previstas pelo TSE e que, nos casos que o órgão identifica violações, a plataforma cumpre “com agilidade as suas determinações”. Afirmou ainda que possui regras específicas para anúncios políticos via Google Ads e “que proíbem, por exemplo, anúncios ou páginas de destino que promovam ódio, intolerância, discriminação ou violência, ou que se aproveitem de eventos traumáticos” e ainda limita as opções de segmentação disponíveis.
Fernando Francischini, candidato à prefeitura de Curitiba pelo PSL e deputado estadual, teve dois anúncios de temas políticos removidos do Facebook por violação da política de publicidade. Um deles, veiculado ainda em abril, falava sobre projeto do atual prefeito de repasse de dinheiro a empresas de ônibus. “VERGONHA! Vereadores de Curitiba votam pedido de urgência para um projeto do prefeito GRECA do DEM que destina R$ 200 milhões de dinheiro público para as empresas de ônibus. Enquanto isso, os pequenos e médios empresários de Curitiba sofrem com a crise econômica. É um absurdo!”, diz a postagem, que teve mais de 90 mil visualizações.
O candidato à prefeitura de São Paulo pelo Patriota, Arthur Do Val – conhecido como “Mamãe Falei” por seu canal de Youtube – também teve anúncios removidos do Facebook durante sua campanha.
O Facebook não informa os motivos específicos de remoção de um anúncio e esclareceu que remove conteúdos que violam suas regras ou que tenham tido remoção solicitada pelo TSE. “Quem gerencia a propaganda eleitoral no Brasil é o TSE. Eles que dizem o que é uma propaganda fora de época, ou que não é permitida. E o que o TSE decide, a gente segue”, afirmou a plataforma que se compromete em trazer “transparência para publicidade sobre política ou eleições.
Porém, nem todos os anúncios que descumpriram com as regras, sejam elas as políticas do Facebook ou normas eleitorais, foram retirados. A reportagem identificou anúncios impulsionados que citavam direta ou indiretamente opositores, o que é proibido.
“O impulsionamento só deve ser utilizado para promover candidaturas, e não prejudicar terceiros”, afirma o promotor do Ministério Público do Ceará Emmanuel Girão. “Se eu for criticar o meu adversário na internet eu tenho que utilizar um conteúdo orgânico, na minha página comum”, acrescenta Caio Guimarães, representante do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE).
Fernando Francischini, mesmo já tendo tido outros anúncios removidos, voltou a impulsionar em 9 de novembro, na semana da eleição, vídeo de crítica que cita diretamente o concorrente e atual prefeito Greca, do Democratas. Até a publicação da reportagem, um dos anúncios que trazem o vídeo gerou entre 500 e 600 mil impressões por investimento de 4 mil a 4,5 mil reais — no total, Fernando impulsionou o conteúdo em 10 posts diferentes.
Heitor Freire, que começou a patrocinar anúncios ainda como pré-candidato à prefeitura de Fortaleza, veiculou em 6, 7 e 10 de novembro propaganda eleitoral em que criticava três de seus concorrentes . “Sabe qual é a receita do atraso? Coloque 8 anos de PT, junte com mais 8 anos do candidato dos Ferreira Gomes, e adicione um capitão que se diz de direita mas já esteve com o PT”, começa o vídeo de 30 segundos, cujo alcance potencial é de 100 mil a 500 mil pessoas e mostra os rostos dos adversários políticos de Freire.
Candidatos ligados à esquerda também impulsionaram conteúdos com críticas aos adversários. O petista Jilmar Tatto, aspirante ao cargo executivo em São Paulo, fez críticas diretas ao prefeito Bruno Covas e ao governador Doria através de anúncios patrocinados no Facebook.
Nenhuma das campanhas que usaram impulsionamento para atacar adversários responderam até a publicação da reportagem.
Fortaleza foi campeã de gastos com impulsionamento
O recordista em gastos com anúncios em plataformas foi José Sarto, candidato à prefeitura de Fortaleza pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Até o dia 1º de novembro, o pedetista tinha investido R$630 mil reais com impulsionamento de conteúdo. Dessa quantia, R$ 536.462 foram para anúncios no Facebook e Instagram, conforme a Biblioteca de anúncios da plataforma. Sarto impulsionou 840 peças nessas redes sociais.
Além de Sarto, outros três candidatos a prefeito em Fortaleza ficaram entre os 10 que mais gastaram com impulsionamento de conteúdo em redes sociais.
O segundo foi Wagner Sousa Gomes, também conhecido como Capitão Wagner, que concorre à prefeitura da capital cearense pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS). No total, segundo o TSE, o candidato gastou R$ 423.375,00 em impulsionamento de conteúdo até o dia 1º de novembro – pelo menos R$ 321.712,00 foram para anúncios no Facebook e Instagram.
Em terceiro lugar ficou a candidatura de Célio Studart, também candidato à prefeitura de Fortaleza, pelo Partido Verde (PV). Com forte pauta ambiental, Studart promoveu diversos anúncios em que aparece cuidando de animais abandonados. No total, ele gastou R$ 284.130,00, dos quais pelo menos R$ 227.865,00 foram para Facebook e Instagram.
“Nós somos de direita, porque nós somos direitos. Bora endireitar Fortaleza com ordem, amor e progresso”, diz um vídeo patrocinado de Heitor Freire, candidato à prefeitura fortalezense pelo Partido Social Liberal (PSL).
O vídeo – que foi veiculado no Facebook e Instagram e cujo impulsionamento custou cerca de R$ 900 reais atingindo mais de 60 mil visualizações – é um dos 100 anúncios veiculados pelo candidato nas plataformas. A campanha de Heitor Freire investiu 130 mil reais em impulsionamento de conteúdo – a 10ª que mais declarou gastos nessa categoria.
Esses 5 candidatos fizeram o Ceará se tornar o estado com maior média de gasto com impulsionamento de conteúdos nessas eleições – R$ 10.246,11 por candidato.
No total, campanhas no estado investiram R$ 2.561.527,18 em anúncios em plataformas digitais, dos quais 61% vieram dos candidatos à prefeitura de Fortaleza.
Por causa da proibição de eventos, “esses candidatos tiveram que migrar, de uma forma ou de outra, às plataformas digitais”, explica Caio Guimarães, do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE).
Até 18 de setembro, o MP do Ceará já havia representado contra 7 pré-candidatos às prefeituras das cidades de Apuiarés (2) e Pentecoste (5) por “propaganda antecipada irregular”, com casos de impulsionamento nas redes sociais na pré-campanha. O promotor responsável, Jairo, afirmou , que antes de 27 de setembro “o gasto com o impulsionamento pode configurar propaganda extemporânea” e ser penalizado com multas entre 5 mil e 25 mil reais.
São Paulo tem campanha digital milionária
Com apenas 19 candidatos – 8 para prefeitura e 11 para vereador – investindo nas plataformas digitais, o estado de Roraima foi o segundo com maior média de gasto com impulsionamento de conteúdo – R$ 8.183,94 por candidatura.
Mas em números absolutos, o estado recordista nesse tipo de gasto foi São Paulo, com R$ 9,5 milhões investidos por quase 3 mil candidaturas – uma média de R$ 3.238,19 por candidato.
Das 20 candidaturas que mais gastaram com anúncios online, 5 são de candidatos a prefeito de São Paulo: Bruno Covas, do PSDB, investiu R$ 230.000,00; enquanto Arthur do Val, Patriota, chegou ao total de R$ 145.000,00; o petista Jilmar Tatto gastou R$ 130.000,00 com impulsionamento; e o psolista Guilherme Boulos, R$ 110.000,00; Celso Russomanno, do Republicanos contratou anúncios por R$ 102.000,00.
Atualmente, Bruno Covas está em primeiro lugar nas pesquisas de opinião para a prefeitura.
PSDB e PROS foram os que mais investiram em impulsionamento
O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) foi o que mais gastou com anúncios nas plataformas digitais – R$ 2.949.478,58, divididos em 857 candidaturas (578 a vereador e 279 a prefeito).
No entanto, foram os candidatos do PROS que mais gastaram proporcionalmente com impulsionamento de conteúdo. Foram 177 candidatos do partido que declararam ter gasto dinheiro com anúncios nas plataformas digitais – 42 candidatos a prefeito e 135 a vereador. Cada um deles investiu em média R$6,7 mil nessa categoria – nas campanhas para prefeito a média de gasto foi ainda maior: R$21,7 mil.
Fonte
O post “75% dos Candidatos que mais gastaram com redes sociais fizeram impulsionamento antes do tempo permitido” foi publicado em 13th November 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública