O brasileiro começou 2022 com uma série de dúvidas sobre o futuro político, econômico e sanitário no país, mas também com uma data certa no calendário: as eleições de outubro. O evento — que de quatro em quatro anos desencadeia uma série de grandes mudanças nos rumos do Brasil e na vida da população — tem ganhado contornos inéditos: será a primeira eleição nacional após o início da pandemia da covid-19, que inevitavelmente será um elemento na avaliação popular dos quatro anos de governo de Jair Bolsonaro.
Fora a pandemia, 2022 irá concretizar o que 2018 “foi e não foi”: a disputa entre Lula e Bolsonaro. Apesar de ter sido um dos fatores centrais nas eleições passadas, o lulismo, o antilulismo, o bolsonarismo e o antibolsonarismo chegaram às urnas em uma versão adaptada, por assim dizer. Com a prisão de Lula desencadeada pela Lava Jato do agora ex-ministro Sergio Moro, em 2018 os eleitores até que se dividiram entre PT e Bolsonaro, mas com apenas um dos dois líderes sendo uma opção real nas urnas.
Com essa possibilidade de 2022 concretizar o que 2018 jamais foi, surgem novas incertezas: qual será o papel do antipetismo neste ano? Como Bolsonaro irá se comportar na sua primeira disputa como candidato e também presidente? Aceitará uma derrota caso as pesquisas de opinião acertem o resultado? Irá confrontar a Justiça Eleitoral? Um terceiro candidato ainda é viável na disputa?
Para responder a essas e outras questões relacionadas ao pleito deste ano, a Agência Pública conversou com dois especialistas no assunto: Pablo Ortellado, pesquisador do Monitor do Debate Público no Meio Digital e professor do curso de gestão de políticas públicas da Universidade de São Paulo (USP), que mantém coluna em O Globo , e Carolina Botelho, pesquisadora do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pesquisadora associada do Doxa (Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública — Iesp/Uerj) e colunista do Jota .
Ambos concordam: o mais provável é que a disputa ocorra centrada entre Lula e Bolsonaro, e as principais preocupações do eleitorado serão os efeitos e as possíveis soluções da crise econômica e social, em boa parte relacionada à pandemia. E os dois pesquisadores temem que o atual presidente não aceite uma eventual derrota e isso leve a um evento violento e tentativas de ruptura da democracia.
A disputa de 2022 ficará entre Lula e Bolsonaro? Ainda há espaço para uma terceira via?
Ortellado: A princípio, se as coisas ficarem como estão, parece que é uma disputa concentrada na oposição Lula-Bolsonaro. Mas essa tendência pode colapsar a qualquer momento. Um escândalo que afete um dos dois, um fato muito grave pode tirar um desses atores da corrida e aí isso reorganizaria toda essa dinâmica da competição.
Para além disso, tem um outro fato: o Bolsonaro vem aos poucos perdendo apoio. Pode ser que esse processo seja revertido com o Auxílio Brasil turbinado, mas, se continuar no mesmo ritmo, pode ser que alguém tome o lugar do Bolsonaro como polo da direita. Eu acho que o cenário mais provável no qual a gente não tem a eleição concentrada nos dois é o Bolsonaro terminar de derreter e alguém tomar o lugar dele. Aí não se sabe se seria o Moro, se seria o Doria, mas algum candidato mais à direita assumiria essa posição.
Mesmo assim, é menos provável do que ter uma eleição concentrada na polarização Lula-Bolsonaro, que é o cenário, de longe, mais provável.
Botelho: Primeiro a gente tem que tentar entender como é que foi a construção dessa ideia de terceira via. Foi muito mais uma demanda de alguns setores do que propriamente dos fatos, do que os dados disponíveis têm mostrado pra gente. A eleição tem se consolidado com duas figuras que estão praticamente isoladas. Depois a gente vê um monte de candidatos que têm alguma pretensão de sair, mas a gente também não sabe se todos eles vão sair. Quando você vai vendo as pesquisas, você não vê um potencial detentor de votos capaz de tirar o primeiro ou o segundo lugar.
É claro que estamos a alguns meses da eleição. Só que a gente tem algumas coisas diferentes também. Quando vamos analisar pesquisa política, temos que entender que até a eleição muita coisa muda. Isso é quase um clichê. Mas a gente também está vivendo um tipo de disputa eleitoral atípica, porque temos um candidato à reeleição que é completamente fora da curva e obriga as pessoas a se posicionarem desde cedo. E, por outro, a gente tem uma pandemia. São fatores que não existiam e passam a existir no cenário. E aí as pessoas começam a querer decidir.
Já estamos em janeiro, já é um ano eleitoral, as coisas já estão meio em jogo. As pessoas vão decidir os partidos logo mais. Os partidos já estão trabalhando pelas campanhas. É difícil mudar o quadro por uma série de motivos, inclusive porque a gente está com uma perspectiva econômica e social muito ruim. Eu não vejo nenhuma mudança de cenário drástica. Eu tendo a ver esses atores se mantendo nessas posições e com pouco espaço para abrir uma terceira alternativa.
No que vai se centrar o debate eleitoral em 2022? Quais serão os fatores que vão decidir o pleito?
Ortellado: Se a gente olhar a eleição de 2018, ela foi muito, muito, muito atípica, no sentido de que os temas socioculturais — feminismo, conservadorismo, defesa da família, posse de armas — desempenharam um papel muito central na campanha. Como nunca tinha acontecido, pelo menos não em tempos recentes.
A gente não sabe se esse fenômeno foi um parêntese, foi uma excepcionalidade, ou se ela representa uma mudança estrutural a partir da qual esses temas passam a ganhar nova centralidade. As pesquisas de opinião que têm perguntado quais são os temas mais importantes têm dado destaque à economia. Então, se a gente for seguir por essas pesquisas de opinião, essas eleições voltariam ao normal, colocando 2018 entre um parêntese, como uma excepcionalidade, como um ponto fora da curva.
Agora, pode ser que uma vez começado propriamente o jogo eleitoral, lá para maio, os candidatos definidos, a pré-campanha já aquecida, isso mude as coisas e a gente tenha, não digo uma repetição de 2018, mas aquele efeito de amplificar a centralidade desses temas socioculturais. Eu acho que é difícil dizer agora o que é que vai acontecer, uma vez que 2018 foi tão atípico.
Botelho: Historicamente, eleições tratam de economia, de condições de vida da população. Essa eleição tem questões extraordinárias. Ainda que a economia seja um fator que ainda se mantenha nessa discussão, e a questão social também, você entra em minúcias mais específicas, como a questão da saúde, ligada à pandemia de covid. Como é uma variável que não existia, ela passa a existir de uma forma muito importante, porque os eleitores estão de olho em quem trabalhou ou quem não trabalhou em prol da vacinação, em prol da diminuição da disseminação do vírus.
E tem uma outra questão. Educação é sempre uma variável que [influencia] nas escolhas dos eleitores, mas a gente tem que entender que uma parcela grande da população, uma parcela que os candidatos disputam pragmaticamente os votos, que é uma população mais pobre, teve o seu direito à educação completamente cerceado, porque não teve, por exemplo, ensino remoto. A gente está falando de um grupo cujos filhos ficaram quase dois anos sem escola.
Essas pessoas perceberam seus empregos sendo perdidos, sua renda diminuída, seus parentes sofrendo mais as consequências da covid. E seus filhos sem estar dentro de sala de aula. Então isso cria um efeito catastrófico para aquele cara que porventura quer se reeleger. E também cria uma ajuda a mais àquele oponente ou àquele candidato que venha com uma alternativa.
Um dos tópicos que tem dominado o noticiário político é a possível chapa Lula-Alckmin. Você acredita que isso irá se concretizar? Qual o impacto dessa hipotética chapa, tanto na disputa eleitoral quanto em um eventual governo Lula?
Ortellado: Eu acho que a constituição dessa chapa tem dois efeitos: um eleitoral e um efeito programático. O efeito eleitoral é que ela amplia o apelo para eleitores de centro. O Lula tem uma resistência [nesse segmento do eleitorado], e eu acho que ele ter um vice com o perfil do Alckmin aumenta o apelo dele, diminui as resistências. Talvez até seja mais importante num segundo turno do que num primeiro. [O efeito programático é] que a composição com o Alckmin pode puxar o programa de governo do Lula mais pro centro. A gente viu aí nesse debate recente sobre a revisão da reforma trabalhista, que indica um pouco isso.
[Quanto a se concretizar,] eu não conheço nenhum dos bastidores. Olhando só do ponto de vista da conveniência eleitoral, parece que é uma combinação que faz muito sentido. Eu acho que traz muitos benefícios para a campanha do Lula, por isso que está sendo considerada. E ela aponta, acena para uma tentativa de superação da polarização. Eu digo que acena e não é uma tentativa de fato porque a polarização não está mais centrada na dinâmica PT-PSDB. Ela está na dinâmica bolsonarista, de um novo conservadorismo, contra os petistas e a esquerda.
Porém, como antes dessa polarização existia um antagonismo muito forte com o PSDB, a composição do antigo líder do PSDB com o Lula é um aceno nesse sentido. Ela carrega esse simbolismo, e eu acho que nesse sentido ela é positiva, deixando de lado as outras considerações sobre puxar programaticamente pro centro.
Botelho: A gente não sabe se vai concretizar, mas parece — e aí eu posso falar que eu tenho lido mais pela imprensa do que pela própria análise política — que essa parceria vai se dar. Isso depende da movimentação e do interesse de vários atores políticos.
Mas eu vejo ela com muito bons olhos. Para além do ganho eleitoral, eles são, Lula e Alckmin, historicamente opositores, são lideranças políticas importantes em setores brasileiros da elite econômica política. E a ideia de unir esses dois grupos para ganhar uma disputa eleitoral contra o Bolsonaro é de uma importância enorme para o nosso sistema democrático.
O sinal que eles estão dando é o de que tem uma coisa que é muito mais importante do que disputas partidárias e de agendas públicas, do que agendas de governo que porventura se opuseram ao longo desses 30 anos. Tem uma coisa ali que é o sistema político, o sistema democrático, que a gente tem que preservar. E essa união aponta para isso.
Eu acho importantíssimo, acho que a sociedade ganha com essa parceria. E, se a chapa vencedora for a do Lula e do Alckmin, isso dá uma possibilidade de negociação entre partidos que é fundamental para aquilo que a gente chama de presidencialismo de coalizão no Brasil. Eles vão ter uma gama grande de partidos e de apoio no Congresso — que vai ser o grande nó do Lula — capaz de ajudar a aprovar as pautas que são demandas urgentes hoje.
Se a gente for ver do ponto de vista histórico, a agenda pública do PSDB, do Alckmin e do Lula, elas são muito parecidas. Com algumas diferenças na economia, mas em geral são muito parecidas.
Qual o peso que a desinformação terá na disputa eleitoral em 2022? Em que temas vão se concentrar? E o que pode ser feito para amenizar esse efeito?
Ortellado: A desinformação vai ser pesada. Ela é uma arma eleitoral muito útil, e nessa eleição de 2022 vou ficar muito, mas muito surpreso, se ela não for tão suja quanto a de 2018, se não for pior.
O que a gente podia fazer, podia ter feito, era regular a mensageria privada. O problema da desinformação está muito concentrado em mensageria privada: WhatsApp e, secundariamente, o Telegram. Isso estava em discussão no chamado PL da Fake News, mas foi adiado, e eu não acho que existe possibilidade de ser regulado mais antes das eleições. O debate estava travado na Câmara dos Deputados, tinha sido aprovada uma regulação no Senado, que eu acho que estava caminhando no caminho certo. Na Câmara dos Deputados, a coisa travou por uma série de motivos políticos. Não dá mais tempo para essas eleições, então acho que a gente vai conviver com esse problema, e vai ser grave.
As plataformas [como Facebook, Twitter e YouTube] sabem do seu peso, elas têm mecanismos para coibir [a desinformação], e a Justiça Eleitoral tem mecanismos para pressionar as plataformas. Mas a mensageria privada é completamente desregulada. No caso do WhatsApp, a gente não consegue saber de onde vieram as mensagens virais e não se consegue criar responsabilização. No caso do Telegram, ele não responde à Justiça brasileira, nunca respondeu. A possibilidade mais dura seria excluir o Telegram. Mas seria uma medida muito extrema, não acredito que vá acontecer. A gente não tem instrumento nenhum para regular a mensageria privada, e, por esse motivo, o jogo vai ser feio lá dentro.
Botelho: O que poderia ser feito é as instituições trabalharem para coibir a disseminação de informações falsas. Você informar a população no mesmo momento — e aí é um desafio mesmo, porque é uma coisa de progressão geométrica. Então você tem que ter uma equipe o tempo todo analisando, vendo postagens, vendo informações em jornais e ao mesmo tempo punindo aqueles que disseminam.
Você pode disseminar uma informação falsa uma vez ou outra como cidadão, é óbvio. As pessoas estão passíveis de erros. Só que a gente sabe que tem uma máquina que de forma sistemática faz isso. O trabalho delas é gerar desinformação. Isso tinha que ter sido coibido. Já. Impedido de disseminar. De alguma forma, as instituições públicas já deveriam ter sido capazes de identificar — e de certa forma estão fazendo — e punir.
Eu acho que vai ter muita informação falsa. E isso tem um peso maior com o atual governo porque eles se estruturaram, desde a campanha até agora, num edifício de mentiras.
Por outro lado, 2022 não vai ser 2018. E eu digo isso do ponto de vista educacional. As pessoas já sabem que existem fake news, já sabem como é que operam e já estão mais avisadas. Pelo menos a maioria das pessoas e dos grupos que sofreram uma avalanche em 2018 e não sabiam de onde veio agora já sabem. Claro que a parte tecnológica vai mudando o tempo todo, então a gente não tem controle sobre todas as informações, sobre todas as inovações, inclusive no terreno das mentiras. Mas de certa forma a gente está mais preparado do que em 2018. Tanto a sociedade civil quanto o poder público.
Ao longo de todo o seu mandato, Bolsonaro vem questionando as eleições, dando indícios de que não respeitará o resultado eleitoral de 2022 caso saia derrotado. Você acredita que essa é uma possibilidade real? Podemos ver no Brasil cenas como as que ocorreram no Capitólio nos EUA, no ano passado? Ou até mesmo uma ruptura mais grave?
Ortellado: Eu estou esperando esse cenário. No caso do Bolsonaro perder, ele vai contestar o resultado das eleições. Ele já está contestando de antemão, com discurso de vulnerabilidade das urnas. Ele tem ensaiado mobilizar as forças policiais, os caminhoneiros. O 7 de Setembro do ano passado foi um exercício. Eu acho que está tudo preparado para isso.
A não ser que a derrota dele seja muito flagrante, por exemplo, ele perder no primeiro turno, que demonstraria que a diferença entre ele e o Lula seria tão grande que seria muito inverossímil contestar o resultado das eleições Tirando esse caso mais extremo, qualquer resultado mais próximo, no qual a disputa vá para o segundo turno e fique mais ou menos parelho, no caso dele perder acho que ele seguramente vai contestar. É muito flagrante que ele tem esses planos. Ele não está escondendo de ninguém.
Botelho: Eu acho que é irresponsável não ver essa possibilidade. Ele ficou 30 anos no Congresso como legislador, dizendo que o ideal seria um golpe de Estado. Toda a direção dele, desde a campanha até agora como presidente, é para enfraquecer as instituições públicas brasileiras. É para ir nessa direção de rompimento institucional. Não teve nenhuma menção, apaziguamento ou tipo de movimento mostrando que a intenção dele não seja essa.
Do ponto de vista analítico, você não ter essa possibilidade na manga é uma irresponsabilidade. Eu lido com essa possibilidade desde o dia que ele foi eleito, porque não mudou nada no discurso e, principalmente, nas ações. O ideal do Bolsonaro é o rompimento institucional. Tudo foi feito nessa direção, tudo. Para destruir o que foi conquistado na Constituição de 1988 e para destruir a institucionalidade democrática construída em 1988.
Eu não posso ignorar também que o seu apoio mais radical queira isso. Mas, por outro lado, a gente está vendo que é uma parcela bem menor da sociedade que apoia o radicalismo do presidente, não é uma maioria. Agora, é uma minoria muito violenta, agressiva e disposta a fazer ou o que aconteceu no Capitólio ou qualquer outra coisa pior. A gente tem visto isso.
Em 2018, o sucesso eleitoral de Bolsonaro ajudou a eleger dezenas de congressistas conservadores ou ligados à extrema direita. Pode ocorrer um efeito semelhante em 2022, seja para o lado de Bolsonaro, seja para o lado de Lula? Qual é o Congresso que o Brasil vai eleger em 2022?
Ortellado: De novo vem essa pergunta, do quão excepcional foi 2018 e se ele inaugura uma nova era ou se foi só um parêntese. Eu não sei dizer. Nas eleições de 2020, o conservadorismo – não estou falando das alianças do Bolsonaro, dos candidatos apoiados por ele – não teve um desempenho muito bom, não. Mas a eleição municipal tem outras características, é tradicionalmente mais local, com temas de zeladoria urbana, temas mais do dia a dia da cidade. Então não dá para saber se aquilo que a gente viu em 2020 vai se repetir em 2022.
Eu acho que essa é a grande questão. O conservadorismo, as chamadas pautas socioculturais, das guerras culturais, feminismo, porte de arma, legalização das drogas, casamento homoafetivo, esses temas vão dar a tônica das eleições como eles deram nas eleições de 2018? E, se eles derem a tônica das eleições, vão puxar uma bancada conservadora como puxaram em 2018? Eu acho que é uma pergunta que está muito em aberto e tem a ver com o quão excepcional foi 2018.
Por outro lado, desaparecer, esses temas eu acho que não vão. Porque esse fenômeno começa antes. Já em 2010, 2014, a gente viu o crescimento da formação de uma bancada conservadora e evangélica. Esse fenômeno eu acho que está bem consolidado, já tem três ciclos eleitorais, pelo menos. O que eu acho que está em disputa é se o pico dessa militância conservadora — para além dessas bancadas evangélicas que a gente viu em 2018, com youtubers conservadores, não necessariamente evangélicos, se elegendo e tendo votações muito expressivas —, se esse fenômeno vai se repetir em 2022 ou não. Eu acho muito difícil de prever porque a gente simplesmente não tem parâmetros. Dois mil e dezoito foi fora da curva e a gente não sabe se é uma coisa que saiu da regra ou se inaugura uma nova regra.
Botelho: Esse é o xis da questão. Primeiro, sobre a pergunta dos bolsonaristas. Eu não acho provável que a gente tenha o mesmo perfil de Congresso que a gente elegeu em 2018 porque ela foi uma eleição na qual a discussão era contra o sistema político. Esses caras vieram para cumprir a cota dos outsiders da política. Aquele que rejeita o sistema político e que quer mudar tudo isso que tá aí.
Mas, ao longo do mandato, eles não mostraram serviço. É muito pouco provável que esse cenário se repita, porque o eleitor quer competência, quer melhorar na vida. Quando ele vai votar num deputado, em um senador, a expectativa dele é que aquele cara traga melhorias. E esses caras não trouxeram melhorias.
Alguns pularam fora do barco porque perceberam que isso seria ruim para o futuro profissional deles, digamos assim, na parte mais pragmática. Então brigaram com o presidente, viram que daquele jeito não ia rolar. E os que ficaram com ele estão sendo muito mal avaliados. Se parte deles se reeleger, não vai ser aquela onda que a gente viu em 2018.
[Em relação à outra parte da pergunta], para além de uma onda lulista, eu vejo uma onda por reconquista de valores que foram perdidos na eleição de 2018, que o eleitor percebeu. Eu acho que o eleitor vai estar muito mais apto a votar naquele legislador que vai ajudar a montar aquele rol de políticas públicas perdidas. Que vai botar o filho na escola ou o que vai, por ventura, criar mecanismos para o ensino remoto, para o garoto ter a aula de alguma forma. Aquele cara que vai brigar pela vacinação, principalmente brigar pelo emprego, pela renda, pelas condições mínimas de sobrevivência que essa população está perdendo.
Para além do que vai ser lulista ou não, eu acho que o eleitor está de olho nisso. Essa máquina que a gente viu acionar com o bolsonarismo, ela não vai voltar da mesma forma de sinal trocado. Não acho que é o lulismo em si. A gente viu que o lulismo pode ser inclusive destruído com uma outra eleição, se ele não entregar. O legado do governo Dilma mostrou que as pessoas estavam querendo mudar, então não é para sempre. Eu acho que o que está sendo discutido agora é reconstrução de políticas básicas.
Quais serão os principais desafios de quem assumir a Presidência em 2023? Quais serão as prioridades?
Ortellado: Eu acho que a gente tem um problema econômico muito grave, que o Brasil está passando há pelo menos oito, vai completar nove anos quando chegar em 2023. A gente está com um desempenho econômico muito ruim, com desemprego muito alto. E, com a mudança do Bolsa Família para o Auxílio Brasil, não temos uma política social regular, o Auxílio Brasil tem um orçamento de um ano. É um programa precário.
A gente precisa reorganizar a economia e ter um colchão social bem organizado, bem estruturado, bem pensado. Eu não consigo ver nada mais urgente do que o problema do desemprego ou o ressurgimento da fome. Não consigo ver nada mais prioritário do que isso no curto prazo.
No longo prazo, a gente tem o problema ambiental. Já era um problema crônico brasileiro, mas vinha sendo tratado. A gente teve uma queda na nossa política de proteção e de cuidado ambiental muito grande no governo Bolsonaro, que precisa ser rapidamente recuperada. Eu imagino que essas duas pautas, uma de curto prazo e outra mais, digamos assim, de médio prazo, são os dois problemas mais urgentes que eu vejo.
Botelho: Prioridade zero é defender a Constituição de 1988. Defender o sistema político e tirar do mapa, ou pelo menos da influência institucional, pessoas que querem acabar com a democracia. O cara tem que começar por aí. Depois começa a reconstrução de um Estado que provê ao cidadão aquilo que ele necessita, que é comida, emprego, saúde — agora com a variável da covid, com as demandas que essa pandemia trouxe — e educação.
É uma reconstrução que a gente fez em 1988, com todos os erros e acertos. Eu não estou dizendo que a gente fez da melhor forma, não, nem que a gente teve governos maravilhosos. Mas tivemos governos muito melhores, compromissados com uma agenda pública da população. O que a gente está vendo agora é um governo que se beneficia privadamente e só beneficia e privilegia aqueles setores que são mais radicalizados e estão com ele. O resto ele ignora completamente.
A gente tem que reconstruir a vida das pessoas. E a gente precisa de política pública para isso, a gente precisa de um governo, de pessoas compromissadas com esse interesse. Para além do interesse eleitoral, é o de reconstruir primeiro o sistema democrático, punindo severamente quem quiser agredi-lo, como não tem sido feito.
Desde que o Bolsonaro foi eleito para a Câmara dos Vereadores, o nosso sistema político deveria estar esperto para esse tipo de político que destrói o sistema democrático. A gente deixou ele operar na margem. Esse foi o grande erro, porque ele é deletério para a sociedade. Ele atrapalha todo mundo.
Após reconstruir essa base democrática institucional, é criar mecanismos de política pública voltado para as populações mais carentes, que estão sem emprego, sem renda, sem comida, sem educação, sem saúde.
Fonte
O post “2022 e eleições: Lula vs Bolsonaro: desinformação e risco de golpe segundo pesquisadores” foi publicado em 19th January 2022 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública